terça-feira, 28 de setembro de 2010

15 cemitérios e túmulos notáveis que você deve visitar antes de morrer

Acima do solo ou à sete palmos abaixo, 15 destes locais de repouso final são os pontos principais para os mortos... e os vivos.



01. Taj Mahal, Agra, Índia

 O Taj Mahal em Agra, é certamente o mausoléu mais belo do mundo. Durante o século 17, o imperador Mughal Shah Jahan construiu a estrutura em memória de sua esposa favorita, Mumtaz Mahal. Feito com mármore branco de Rajasthan, cristal da China, turquesa do Tibet e safira do Sri Lanka. A câmara principal abriga o sarcófago do imperador e sua esposa, porém seus túmulos reais estão localizados em um nível inferior. Se não sido deposto pelo filho mais velho e aprisionado longe de sua grande paixão, que ele só poderia ver por uma janela bem pequena de sua cela, a intenção Shah Jahan era construir para si próprio uma réplica do Taj Mahal do outro lado do rio só que todo em mármore negro. Imagine só como seria lindo?



02. Pirâmides de Gizé, no Egito
Essas pirâmides, nos arredores do Cairo podem datar de cerca de 3.200 aC. Elas perfuram o céu, sem se perturbar por uma multidão de pessoas inescrupulosas, camelos e turistas com filmadoras em punho. Estima-se que de 20.000 a 30.000 trabalhadores construíram as pirâmides, a maior das quais é construída a partir de mais de dois milhões de blocos. A maior pirâmide foi construída como um túmulo para a quarta dinastia egípcia Rei Khufu.



 
 
 
 
 
03. Merry Cemetery, Sapanta, Romênia
O Cemitério Merry é famoso por suas lápides coloridas de madeira cobertas com pinturas e poesias nativas representando a vida das pessoas enterradas ali. Em 1935, o artista Ioan Stan Patras esculpiu o primeiro epitáfio e, eventualmente, o cemitério ficou todo preenchido com a decoração. É hoje um museu ao ar livre e atração turística. Patras faleceu em 1977. Seu túmulo é marcado por uma cruz que ele esculpiu antes de sua morte.



 
 
 
 
 
 
 
04. Muralha da Necrópole do Kremlin, Moscou, Rússia
Em 1924, o túmulo de Lenin se tornou o centro da Muralha da Necrópole do Kremlin. O que muitos visitantes não se dão conta, porém, é que por trás do mausoléu e, ao pé da Torre Senatskaya do Kremlin estão os túmulos de muitas outras pessoas de renome. Lá também estão sepultados: Joseph Stalin, Leonid Brezhnev, Yuri Andropov, Yuri Gagarin



 
 
 
 
 
 
 
 
05. Cemitério Père Lachaise, em Paris, França
Père Lachaise é um dos cemitérios mais famosos do mundo, atraindo centenas de milhares de visitantes anualmente para as sepulturas daqueles que lá foram enterrados. O cemitério foi fundado em 1804, mas alguém teve a brilhante idéia de passar os restos mortais de pessoas famosas para atrair negócios lá! Pessoas notáveis sepultadas: Honoré de Balzac, Sarah Bernhardt, Georges Bizet, Jean Brunhoff, Frédéric Chopin, Colette, Isadora Duncan, Marcel Marceau, Molière, Jim Morrison, Victor Noir, Edith Piaf, Marcel Proust, Georges-Pierre Seurat, Gertrude Stein, Alice B. Toklas, Oscar Wilde



06. Fairview Lawn Cemetery, Halifax, Nova Escócia, Canadá
Cento e 21 vítimas do Titanic estão enterradaos no cemitério de Fairview. A maioria deles foi marcada com um marco de granito cinzento pequeno, simplesmente dizendo seu nome e data de morte. Os ocupantes de um terço dos túmulos, no entanto, nunca foram identificados e os seus marcadores contem apenas a data da sua morte. As sepulturas das vítimas foram estabelecidas em três linhas em curvas suaves, seguindo os contornos do terreno inclinado. Por coincidência, a forma curva sugere o contorno da proa de um navio.


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
07. A cidade dos Mortos, Cairo, Egito
A Cidade dos Mortos é o cemitério mais curioso do mundo - não sendo apenas uma cidade dos mortos, mas de vivos. Tradicionalmente, os egípcios enterravam seus mortos cercados por quartos de modo que os parentes pudessem viver neles durante o longo período de luto. Infelizmente, a falta de moradia no Cairo levou a algumas famílias a viverem permanentemente em grandes cemitérios na periferia da cidade.

 

 

08. Hollywood Forever Cemetery, em Los Angeles, Califórnia, Estados Unidos
Os gramados imaculados e imponentes monumentos do Hollywood Forever Cemetery são a imagem final para grande parte da realeza de Hollywood. A atenção derradeira de algumas estrelas já muito esquecidas. Lá estão: Don Adams, Mel Blanc, Cecil B. DeMille, Douglas Fairbanks, Nelson Eddy, Estelle Getty, John Huston, Jayne Mansfield, Darren McGavin, Adolphe Menjou, Tyrone Power, Johnny Ramone, Siegel Benjamin "Bugsy", Rudolph Valentino, Fay Wray



 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
09. Cemitério Protestante, Roma, Itália

Este jardim cheio é uma surpresa em uma esquina movimentada de Roma. O jardim é dominado por uma ponta aguçada da pirâmide: o túmulo fantasioso de um general romano, com uma propensão para a egiptologia. Ali também estão: Percy Bysshe Shelley, John Keats



10. Cemitério Monte das Oliveiras, Jerusalém, Israel
Judeus foram enterrados no Monte das Oliveiras, desde os tempos bíblicos. Há uma estimativa de 150 mil sepulturas do Monte, incluindo túmulos tradicionalmente associados como Zacarias, assim como o filho rebelde de Davi, Absalão. Outras pessoas notáveis sepultadas: Shlomo Goren, Shmuel Yosef Agnon, O primeiro-ministro Menachem Begin e sua mulher Aliza, Princesa Alice de Battenberg


 
 
 
 
 
 
 
 
 
11. Hartsdale Cemitério de Animais em Hartsdale, Nova Iorque, Estados Unidos
Em 1896, o Dr. Samuel Johnson, um veterano de guerra, ofereceu o seu pomar para um amigo em luto como o lugar do enterro de seu cachorro. Hoje, o Hartsdale Cemitério de Animais tem 70 mil sepulturas, incluindo as de cães de guerra famosos, assim como um memorial para os cães da Cruz Vermelha, que serviram durante a Segunda Guerra Mundial. Proprietários famosos que enterraram ali seus animais de estimação incluem Mariah Carey e Diana Ross.



12. Tumba de Palenque, Pacal, no México
No sopé das montanhas de Chiapas repousam os restos da antiga cidade Maia de Palenque. O monumento mais famoso da cidade é o túmulo de Pacal, o Grande, localizado no Templo das Inscrições, uma íngreme, pirâmide de degraus. Palenque foi amplamente explorado por arqueólogos, mas nenhum conseguiu descobrir como abrir o túmulo até 1948. Em seguida, foi levado mais quatro anos só para limpar os escombros da escada que desce para a câmara onde Pacal está enterrado. Lá, eles encontraram restos do rei, cercado por esculturas e relevos em estuque que descreve a sua transição para a divindade.

 
 
 
 
 
 
 
13. As Catacumbas de Roma, Itália
Uma antiga lei romana proibia o enterro dentro dos limites da cidade de Roma, assim a maioria romana era cremada. Mas os primeiros cristãos foram enterrados em uma série de intermináveis, túneis subterrâneos. Chamado como o complexo subterrâneo da morte de Roma, já foi conhecido como assombrado. Mas agora está vazio de corpos, mas mantendo afrescos cristãos, altares e ícones. Há nomes em algumas das catacumbas diferentes, como as de São Calisto e São Sebastião. Estas referem-se aos mártires que se acreditavam terem sido enterrados lá.



 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
14. A Ilha dos Mortos ,Tasmânia, Austrália

A colônia penal de Port Arthur, na Tasmânia foi fechada em 1877, mas durante seus anos de funcionamento, aqueles que morreram na prisão foram enterrados em uma pequena ilha próxima. Embora haja pelo menos 1.700 túmulos existentes na ilha, apenas parcelas pertencentes a 180 servidores penitenciários e militares estão marcadas. Hoje as sepulturas da Ilha dos Mortos atraem dezenas de turistas, muitos dos quais descrevem o ar sobre a pequena ilha coberta de mato como possuindo qualidades como "melancólico" e "tranqüilo".


Uma massa rochosa chamada Bandiagara elevada acima da planície banhada pelo sol, é uma das vistas mais deslumbrantes da África Ocidental. O mais extraordinário é o conjunto de edifícios pequenos nas falésias, que foram construídas pela tribo Tellem há muito tempo. Hoje, a tribo Dogon usa essas habitações nos precipícios como túmulos, içando os corpos dos entes queridos ao seu lugar de descanso final usando uma corda feita da árvore da vida. O Baobá.




 
 
 
 
 
15 Cemitério Parque Senhor do Bonfim, Curitiba, Paraná, Brasil.

Cemitério Estilo Parque localizado dentro de uma reserva de floresta de araucária, um dos maiores do Brasil.

Idosa morta pode ter sido violentada

Marcelo Vellinho
Aliocha Maurício
Urna estava vazia na clareira e a idosa a alguns metros dela.
Nem mesmo os mortos escapam da mentalidade doentia de algumas pessoas. Na madrugada de ontem, um caso macabro foi registrado no Cemitério Municipal Jardim Independência, em Araucária.
O corpo de uma idosa foi retirado do túmulo, arrastado até o mato e abandonado ao lado do caixão. A mulher, de 74 anos, morta há pouco mais de um mês, estava nua da cintura para baixo. Existe a suspeita de ato sexual.

O crime só foi descoberto na manhã de ontem, quando o coveiro percebeu o túmulo arrombado e encontrou o corpo e o caixão numa clareira. Familiares da idosa se revoltaram.
“É uma humilhação muito grande ver o corpo de um ente querido naquela situação”, relatou o filho da mulher, Jonas Bozza. O cadáver foi levado ao Instituto Médico-Legal (IML), onde passou por exames, a fim de apurar se houve ou não vilipêndio - termo usado para definir a violência contra a pessoa morta. A mulher será novamente sepultada hoje. “Ainda temos que passar pela tristeza de outro enterro”, lamentou Jonas.

Suspeitas


O delegado Haroldo Luiz Vergueiro Davison, da delegacia de Araucária, suspeita que pelo menos duas pessoas tenham participado da profanação do túmulo. “Aguardamos o laudo para apurar se realmente houve sexo com o cadáver. Caso contrário, é provável que a intenção dos criminosos fosse furtar algo de valor. Ela era uma pessoa conhecida na cidade”, afirmou o delegado.
A família informou que não havia nenhum objeto de valor no túmulo. De acordo com o Código Penal Brasileiro, a pena por vilipêndio a cadáver é de 1 a 3 anos de detenção e multa.

A família também reclamou da falta de segurança e iluminação no cemitério. O túmulo violado fica na parte nova, a poucos metros de um matagal. “Aqui é muito escuro à noite. Muitos parentes têm medo de vir quando começa a escurecer”, disse Jonas. Populares relataram ainda que usuários de drogas se reúnem no mato para usar entorpecentes.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Homenagem :: Roberto Luis Troster

Valor Econômico - 21/07/2010
 

CLT ajuda a manter o emprego. Para cada trabalhador na produção ou nas vendas outros são necessários para cumprir a lei
Ned Ludd tinha uma preocupação meritória que era a de preservar postos de trabalho e dessa forma fazer com que operários pudessem manter seu modo de vida. Para esse nobre propósito, propunha a destruição das máquinas que causavam desemprego na Inglaterra que estava se industrializando.
A nova tecnologia estava acabando com um modo de produzir de vários séculos; a máquina a vapor e o tear automático ilustram o perigo enfrentado na época. Muitos de seus seguidores, os ludistas, ao fazerem justiça com as próprias mãos, foram perseguidos, alguns presos e deportados para a Austrália, e houve até condenados à morte. Mas suas ideias sobreviveram e cruzaram o Atlântico.
No Brasil, a influência dos neoludistas é considerável. Usam métodos não violentos e mais efetivos que não só evitam o desemprego, como também geram mais cargos profissionais. Todas suas ações são amparadas na lei e dessa forma não terão o mesmo fim que seus antecessores. Alguns exemplos ilustram como promovem o bem do país.
Um caso emblemático do pensamento neoludista é o tratamento dado a alterações na vida econômica. Como novas empresas criam produtos e serviços que acabam por causar desemprego nas já existentes, a solução é bloquear sua entrada em operação. Para tanto, são colocados vários procedimentos burocráticos de forma a dificultar o início de seu funcionamento. Um levantamento do Banco Mundial mostra que são necessários 16 procedimentos diferentes para abrir uma empresa no Brasil, um dos mais elevados do mundo. Lembrando que, quanto mais complicadas forem as exigências, mais burocratas serão necessários para aferir sua validez.
Caso o empreendedor persevere e mesmo assim consiga fazer a empresa entrar em operação, terá que dedicar 2.600 horas por ano apenas para preencher a documentação e as guias para pagar os impostos. Com isso três objetivos são alcançados. Um é que é necessário empregar para o cumprimento das obrigações tributárias; outro é que, à medida que aumenta o número de exigências e sua complexidade, é mandatório ter mais fiscais; e o terceiro é que com mais impostos haverá mais recursos para pagar o funcionalismo.
A legislação trabalhista é outro exemplo de como a lei gera empregos. É complexa, abrangente e minuciosa, a consolidação de todas as normas. A CLT tem quase mil artigos aos quais devem ser adicionados os das convenções coletivas. Com isso, são necessários funcionários nas empresas para verificar o atendimento de suas exigências e dezenas de milhares de advogados e juízes para solucionar as divergências. Desse modo os empregos são multiplicados, pois para cada trabalhador na produção ou nas vendas outros são necessários para cumprir a legislação.
Os neoludistas também têm ações visando o bem do setor privado. O que aconteceu nos cartórios ilustra o ponto. Há cinco anos eram necessários, de acordo com o Banco Mundial, 14 procedimentos, 42 dias e 2% do valor da propriedade para sua transferência; conseguiu-se manter o número de procedimentos e o tempo médio, mas aumentou-se o custo para 2,7% beneficiando os trabalhadores e titulares dos cartórios. É uma instituição do tempo de Império que está sendo valorizada.
A lista de exemplos é extensa e alguns dos benefícios são mensuráveis. Brasília, a cidade mais favorecida por sua inspiração, tem uma renda por habitante que é o dobro da média nacional. É uma prova empírica que evitar mudanças é benéfico. O Banco Mundial prepara uma classificação sobre a facilidade de fazer negócios (Doing Business) em diferentes países. O Brasil regrediu algumas posições. A falha está em não perceber que quanto mais atrás, menos muda o país e tudo fica tudo como está.
Há oposição às políticas neoludistas, mas é pouca. A explicação mais razoável para as críticas é de algumas pessoas que observam que, na média, os salários do setor privado são inferiores aos do público e criticam. Falam em competitividade, mas não são competentes o suficiente para conseguir um padrinho político. Pura inveja.
Os críticos mais conhecidos são os neoliberais, que propõem mais produtividade à economia brasileira. Um risco a ser evitado, pois se a quantidade de produto por trabalhador aumentar serão necessários menos empregados, um perigo para o qual Ned Ludd alertava.
Outra sugestão dos neoliberais é que se aumente a idade de aposentadoria dos trabalhadores. Não entendem que cada novo aposentado é mais uma vaga a ser preenchida, leia-se um desempregado a menos. Mantendo-se o valor das aposentadorias igual aos salários da ativa, conseguem-se mais empregos sem perda de renda para os que se retiram em idade precoce. Essa falta de compreensão desses pensadores elucida sua baixa popularidade.
Algumas propostas levantadas são absurdas, como a de dar mais eficiência ao setor público. Seus autores não percebem que se isso acontecesse, dezenas de milhares de funcionários ficariam de braços cruzados e edifícios inteiros seriam abandonados. Seria um cataclismo social se fosse acatada.
A sorte do país é que a Secretaria de Assuntos Estratégicos está consciente desses riscos e coloca no seu diagnóstico para o planejamento do Brasil em 2022 que "As políticas neoliberais ...levaram ao agravamento da pobreza". Uma visão clara de que os princípios ludistas orientam as políticas do futuro do Brasil e que as críticas não alterarão seu rumo.
Os programas das campanhas dos candidatos a presidente também não mostram um compromisso em combater os nobres ideais neoludistas. As promessas são de mais empregos em vez de mais empresas, preocupam-se com o índice de desemprego, e devem estar conscientes que o de mortalidade de empresas não tem significado econômico. Tudo indica que é razoável supor que a influência das ideias expostas continue no próximo governo. É algo que tranquiliza.
Considerando a contribuição positiva de Ned Ludd, a proposta deste artigo é que ele seja homenageado. Tem que ser algo grandioso, proporcional a seu legado. Poder-se-ia até tentar fazer algo em conjunto com outras nações limítrofes que também seguem seus princípios. Um feriado é o mínimo, o dia do Ludismo. Se Tiradentes que era contra os impostos tem feriado, nada mais justo de que alguém a favor também tenha. Será um reconhecimento mais que merecido.
Valor Econômico - 21/07/2010
 

CLT ajuda a manter o emprego. Para cada trabalhador na produção ou nas vendas outros são necessários para cumprir a lei
Ned Ludd tinha uma preocupação meritória que era a de preservar postos de trabalho e dessa forma fazer com que operários pudessem manter seu modo de vida. Para esse nobre propósito, propunha a destruição das máquinas que causavam desemprego na Inglaterra que estava se industrializando.
A nova tecnologia estava acabando com um modo de produzir de vários séculos; a máquina a vapor e o tear automático ilustram o perigo enfrentado na época. Muitos de seus seguidores, os ludistas, ao fazerem justiça com as próprias mãos, foram perseguidos, alguns presos e deportados para a Austrália, e houve até condenados à morte. Mas suas ideias sobreviveram e cruzaram o Atlântico.
No Brasil, a influência dos neoludistas é considerável. Usam métodos não violentos e mais efetivos que não só evitam o desemprego, como também geram mais cargos profissionais. Todas suas ações são amparadas na lei e dessa forma não terão o mesmo fim que seus antecessores. Alguns exemplos ilustram como promovem o bem do país.
Um caso emblemático do pensamento neoludista é o tratamento dado a alterações na vida econômica. Como novas empresas criam produtos e serviços que acabam por causar desemprego nas já existentes, a solução é bloquear sua entrada em operação. Para tanto, são colocados vários procedimentos burocráticos de forma a dificultar o início de seu funcionamento. Um levantamento do Banco Mundial mostra que são necessários 16 procedimentos diferentes para abrir uma empresa no Brasil, um dos mais elevados do mundo. Lembrando que, quanto mais complicadas forem as exigências, mais burocratas serão necessários para aferir sua validez.
Caso o empreendedor persevere e mesmo assim consiga fazer a empresa entrar em operação, terá que dedicar 2.600 horas por ano apenas para preencher a documentação e as guias para pagar os impostos. Com isso três objetivos são alcançados. Um é que é necessário empregar para o cumprimento das obrigações tributárias; outro é que, à medida que aumenta o número de exigências e sua complexidade, é mandatório ter mais fiscais; e o terceiro é que com mais impostos haverá mais recursos para pagar o funcionalismo.
A legislação trabalhista é outro exemplo de como a lei gera empregos. É complexa, abrangente e minuciosa, a consolidação de todas as normas. A CLT tem quase mil artigos aos quais devem ser adicionados os das convenções coletivas. Com isso, são necessários funcionários nas empresas para verificar o atendimento de suas exigências e dezenas de milhares de advogados e juízes para solucionar as divergências. Desse modo os empregos são multiplicados, pois para cada trabalhador na produção ou nas vendas outros são necessários para cumprir a legislação.
Os neoludistas também têm ações visando o bem do setor privado. O que aconteceu nos cartórios ilustra o ponto. Há cinco anos eram necessários, de acordo com o Banco Mundial, 14 procedimentos, 42 dias e 2% do valor da propriedade para sua transferência; conseguiu-se manter o número de procedimentos e o tempo médio, mas aumentou-se o custo para 2,7% beneficiando os trabalhadores e titulares dos cartórios. É uma instituição do tempo de Império que está sendo valorizada.
A lista de exemplos é extensa e alguns dos benefícios são mensuráveis. Brasília, a cidade mais favorecida por sua inspiração, tem uma renda por habitante que é o dobro da média nacional. É uma prova empírica que evitar mudanças é benéfico. O Banco Mundial prepara uma classificação sobre a facilidade de fazer negócios (Doing Business) em diferentes países. O Brasil regrediu algumas posições. A falha está em não perceber que quanto mais atrás, menos muda o país e tudo fica tudo como está.
Há oposição às políticas neoludistas, mas é pouca. A explicação mais razoável para as críticas é de algumas pessoas que observam que, na média, os salários do setor privado são inferiores aos do público e criticam. Falam em competitividade, mas não são competentes o suficiente para conseguir um padrinho político. Pura inveja.
Os críticos mais conhecidos são os neoliberais, que propõem mais produtividade à economia brasileira. Um risco a ser evitado, pois se a quantidade de produto por trabalhador aumentar serão necessários menos empregados, um perigo para o qual Ned Ludd alertava.
Outra sugestão dos neoliberais é que se aumente a idade de aposentadoria dos trabalhadores. Não entendem que cada novo aposentado é mais uma vaga a ser preenchida, leia-se um desempregado a menos. Mantendo-se o valor das aposentadorias igual aos salários da ativa, conseguem-se mais empregos sem perda de renda para os que se retiram em idade precoce. Essa falta de compreensão desses pensadores elucida sua baixa popularidade.
Algumas propostas levantadas são absurdas, como a de dar mais eficiência ao setor público. Seus autores não percebem que se isso acontecesse, dezenas de milhares de funcionários ficariam de braços cruzados e edifícios inteiros seriam abandonados. Seria um cataclismo social se fosse acatada.
A sorte do país é que a Secretaria de Assuntos Estratégicos está consciente desses riscos e coloca no seu diagnóstico para o planejamento do Brasil em 2022 que "As políticas neoliberais ...levaram ao agravamento da pobreza". Uma visão clara de que os princípios ludistas orientam as políticas do futuro do Brasil e que as críticas não alterarão seu rumo.
Os programas das campanhas dos candidatos a presidente também não mostram um compromisso em combater os nobres ideais neoludistas. As promessas são de mais empregos em vez de mais empresas, preocupam-se com o índice de desemprego, e devem estar conscientes que o de mortalidade de empresas não tem significado econômico. Tudo indica que é razoável supor que a influência das ideias expostas continue no próximo governo. É algo que tranquiliza.
Considerando a contribuição positiva de Ned Ludd, a proposta deste artigo é que ele seja homenageado. Tem que ser algo grandioso, proporcional a seu legado. Poder-se-ia até tentar fazer algo em conjunto com outras nações limítrofes que também seguem seus princípios. Um feriado é o mínimo, o dia do Ludismo. Se Tiradentes que era contra os impostos tem feriado, nada mais justo de que alguém a favor também tenha. Será um reconhecimento mais que merecido.

Valor Econômico - 21/07/2010


CLT ajuda a manter o emprego. Para cada trabalhador na produção ou nas vendas outros são necessários para cumprir a lei
Ned Ludd tinha uma preocupação meritória que era a de preservar postos de trabalho e dessa forma fazer com que operários pudessem manter seu modo de vida. Para esse nobre propósito, propunha a destruição das máquinas que causavam desemprego na Inglaterra que estava se industrializando.
A nova tecnologia estava acabando com um modo de produzir de vários séculos; a máquina a vapor e o tear automático ilustram o perigo enfrentado na época. Muitos de seus seguidores, os ludistas, ao fazerem justiça com as próprias mãos, foram perseguidos, alguns presos e deportados para a Austrália, e houve até condenados à morte. Mas suas ideias sobreviveram e cruzaram o Atlântico.
No Brasil, a influência dos neoludistas é considerável. Usam métodos não violentos e mais efetivos que não só evitam o desemprego, como também geram mais cargos profissionais. Todas suas ações são amparadas na lei e dessa forma não terão o mesmo fim que seus antecessores. Alguns exemplos ilustram como promovem o bem do país.
Um caso emblemático do pensamento neoludista é o tratamento dado a alterações na vida econômica. Como novas empresas criam produtos e serviços que acabam por causar desemprego nas já existentes, a solução é bloquear sua entrada em operação. Para tanto, são colocados vários procedimentos burocráticos de forma a dificultar o início de seu funcionamento. Um levantamento do Banco Mundial mostra que são necessários 16 procedimentos diferentes para abrir uma empresa no Brasil, um dos mais elevados do mundo. Lembrando que, quanto mais complicadas forem as exigências, mais burocratas serão necessários para aferir sua validez.
Caso o empreendedor persevere e mesmo assim consiga fazer a empresa entrar em operação, terá que dedicar 2.600 horas por ano apenas para preencher a documentação e as guias para pagar os impostos. Com isso três objetivos são alcançados. Um é que é necessário empregar para o cumprimento das obrigações tributárias; outro é que, à medida que aumenta o número de exigências e sua complexidade, é mandatório ter mais fiscais; e o terceiro é que com mais impostos haverá mais recursos para pagar o funcionalismo.
A legislação trabalhista é outro exemplo de como a lei gera empregos. É complexa, abrangente e minuciosa, a consolidação de todas as normas. A CLT tem quase mil artigos aos quais devem ser adicionados os das convenções coletivas. Com isso, são necessários funcionários nas empresas para verificar o atendimento de suas exigências e dezenas de milhares de advogados e juízes para solucionar as divergências. Desse modo os empregos são multiplicados, pois para cada trabalhador na produção ou nas vendas outros são necessários para cumprir a legislação.
Os neoludistas também têm ações visando o bem do setor privado. O que aconteceu nos cartórios ilustra o ponto. Há cinco anos eram necessários, de acordo com o Banco Mundial, 14 procedimentos, 42 dias e 2% do valor da propriedade para sua transferência; conseguiu-se manter o número de procedimentos e o tempo médio, mas aumentou-se o custo para 2,7% beneficiando os trabalhadores e titulares dos cartórios. É uma instituição do tempo de Império que está sendo valorizada.
A lista de exemplos é extensa e alguns dos benefícios são mensuráveis. Brasília, a cidade mais favorecida por sua inspiração, tem uma renda por habitante que é o dobro da média nacional. É uma prova empírica que evitar mudanças é benéfico. O Banco Mundial prepara uma classificação sobre a facilidade de fazer negócios (Doing Business) em diferentes países. O Brasil regrediu algumas posições. A falha está em não perceber que quanto mais atrás, menos muda o país e tudo fica tudo como está.
Há oposição às políticas neoludistas, mas é pouca. A explicação mais razoável para as críticas é de algumas pessoas que observam que, na média, os salários do setor privado são inferiores aos do público e criticam. Falam em competitividade, mas não são competentes o suficiente para conseguir um padrinho político. Pura inveja.
Os críticos mais conhecidos são os neoliberais, que propõem mais produtividade à economia brasileira. Um risco a ser evitado, pois se a quantidade de produto por trabalhador aumentar serão necessários menos empregados, um perigo para o qual Ned Ludd alertava.
Outra sugestão dos neoliberais é que se aumente a idade de aposentadoria dos trabalhadores. Não entendem que cada novo aposentado é mais uma vaga a ser preenchida, leia-se um desempregado a menos. Mantendo-se o valor das aposentadorias igual aos salários da ativa, conseguem-se mais empregos sem perda de renda para os que se retiram em idade precoce. Essa falta de compreensão desses pensadores elucida sua baixa popularidade.
Algumas propostas levantadas são absurdas, como a de dar mais eficiência ao setor público. Seus autores não percebem que se isso acontecesse, dezenas de milhares de funcionários ficariam de braços cruzados e edifícios inteiros seriam abandonados. Seria um cataclismo social se fosse acatada.
A sorte do país é que a Secretaria de Assuntos Estratégicos está consciente desses riscos e coloca no seu diagnóstico para o planejamento do Brasil em 2022 que "As políticas neoliberais ...levaram ao agravamento da pobreza". Uma visão clara de que os princípios ludistas orientam as políticas do futuro do Brasil e que as críticas não alterarão seu rumo.
Os programas das campanhas dos candidatos a presidente também não mostram um compromisso em combater os nobres ideais neoludistas. As promessas são de mais empregos em vez de mais empresas, preocupam-se com o índice de desemprego, e devem estar conscientes que o de mortalidade de empresas não tem significado econômico. Tudo indica que é razoável supor que a influência das ideias expostas continue no próximo governo. É algo que tranquiliza.
Considerando a contribuição positiva de Ned Ludd, a proposta deste artigo é que ele seja homenageado. Tem que ser algo grandioso, proporcional a seu legado. Poder-se-ia até tentar fazer algo em conjunto com outras nações limítrofes que também seguem seus princípios. Um feriado é o mínimo, o dia do Ludismo. Se Tiradentes que era contra os impostos tem feriado, nada mais justo de que alguém a favor também tenha. Será um reconhecimento mais que merecido.

O capitalismo é moral

André Comte-Sponville, filósofo francês
Publicado em  10/07/2010 | Rogerio Waldrigues Galindo

O capitalismo é moral?
A pergunta foi o ponto central de uma série de conferências que o filósofo francês André Comte-Sponville realizou pela Europa. O resultado se transformou num livro de mesmo nome (Martins Fontes, 223 páginas. Tradução de Eduardo Brandão).

A conclusão de Sponville é de que o sistema não é moral nem imoral: o capitalismo tem sua lógica interna, que é de ordem diferente da moral. Enquanto a moral pergunta o que é certo e o que é errado, o capitalismo tenta responder o que é mais eficiente, mais lucrativo. Para ele, resta a nós tornar a sociedade capitalista mais justa. Em entrevista por e-mail, o filósofo explicou seus pontos de vista.

A sua palestra sobre capitalismo parece aborrecer um bocado de pessoas. Especialmente empresários parecem escandalizados quando ouvem que o capitalismo “não é moral”. Por que isso acontece?

Porque seria mais confortável para eles pensar o contrário! Se o capitalismo fosse moral, os diretores de empresas fariam o trabalho mais belo do mundo: eles criariam virtude ao mesmo tempo que riqueza, eles cuidariam de sua saúde ao mesmo tempo que fariam sua fortuna. Não é de espantar que eles queiram acreditar nisso! É preciso dizer que essas questões me foram propostas sobretudo pelo mundo empresarial, onde os dirigentes, porque isso lhes convém, estão massivamente convencidos de que o capitalismo é moral. Eles também me acharam muito severo com nosso sistema econômico. Na esquerda (falo disso na nova edição de meu livro, com um longo posfácio inédito, que não sei se já foi publicado no Brasil), é antes o inverso: as pessoas estão convencidas de que o capitalismo é imoral, e me reprovam de ser indulgente demais com ele! Isso não prova que eu tenho razão, mas salienta a singularidade de meu ponto de vista. O que mostro em meu livro é que o capitalismo não é moral: ele não funciona para a virtude, a generosidade ou o desinteresse, mas, ao contrário, para o interesse pessoal ou familiar. Digamos a palavra: o capitalismo funciona para o egoísmo. É por isso que ele funciona tão bem (o egoísmo é a principal força motora) e é por isso que ele não (nunca) é suficiente! O egoísmo é formidável para criar a riqueza, mas isso nunca foi suficiente para fazer uma civilização, nem mesmo uma sociedade que seja humanamente aceitável . Então o capitalismo não é moral. Ele é imoral? Tampouco. Ocupar-se de seus interesses e dos de sua família não é um erro! Querer ganhar dinheiro, contanto que se respeite a lei, não é proibido! Não tenhamos medo de dizer: o egoísmo faz parte dos direitos do homem. O capitalismo não é, portanto, nem moral nem imoral: ele é amoral, dando ao prefixo “a” seu sentido puramente privativo (de privação). Não conte com o mercado para ser moral no seu lugar, nem com a moral para criar riqueza!

O senhor defende que após a queda da União Soviética o capitalismo não podia mais se justificar como uma oposição a outro sistema e que algumas pessoas tentaram justificá-lo dizendo que o sistema é “bom” e “moral” em si mesmo. O senhor compara isso a um processo religioso. Como está essa situação hoje?

A União Soviética era uma contraposição que valorizava o capitalismo. Desde que essa contraposição se dissolveu, o capitalismo tenta encontrar uma justificativa interna: ele seria o triunfo da liberdade, do esforço, do mérito, da criatividade... Uma espécie de paraíso sobre a terra! Os pobres julgarão. A verdade é que o capitalismo é um sistema economicamente eficaz, ecologicamente perigoso e moralmente injusto. Evidentemente, tudo seria mais simples se a moral, a economia e a ecologia andassem sempre na mesma direção. Mas graças a que milagre tal coisa aconteceria? A única maneira de articular essas três dimensões é fazer política! Isso passa pela militância, mas também pelo governo, o Parlamento e o direito. Se a economia fosse moral, não teríamos necessidade de Estado. Não é esse o caso. É por isso que temos necessidade de política. Os bons sentimentos jamais foram suficientes para ganhar uma eleição e ainda menos para governar de forma eficaz!

O senhor defende que, se nós não podemos contar com o capitalismo para ser moral, nós precisamos fazer as coisas serem morais nós mesmos. Isso pode ser feito por meio de políticas sociais e de redistribuição de renda? Nesse sentido, o modelo social-democrata de países nórdicos como a Suécia é mais “moral” do que o modelo de capitalismo dos EUA?

Não estou aqui para distribuir boas e más características, nem para dar certificado de moralidade a uns ou outros! Sou um social-democrata: politicamente sinto-me portanto muito mais próximo do modelo escandinavo do que do modelo americano. Mas cuidado para não confundir o combate político, que opõe partidos e ideologias, com um combate moral, que oporia os bons e os malvados. É verossímel que (o economista liberal Friedrich) Hayek, por exemplo, tivesse respondido que ele prefere o modelo americano. Não vejo em nome de qual superioridade moral ou intelectual eu pretenderia que a virtude está no meu campo mais que no seu! A moral não é nem de direita nem de esquerda. É por isso que a esquerda e a direita necessitam dela. Quanto à política de redistribuição, sou favorável a ela, e a princípio por questões morais. Isso não me autoriza a condenar moralmente aqueles que querem limitá-la ou reduzi-la. Com o tempo, o problema é mais de saber se a redistribuição é moral (poucas pessoas o contestam) do que se ela é eficaz. Fazerem os ricos pagarem para ajudar o pobres? Moralmente, só posso ser a favor. Exceto quando a pressão fiscal faz os ricos fugirem ou quando ela mutila a economia: nesse caso os pobres são os primeiros a sofrer. É onde a política encontra seus direitos e suas proibições. A moral não substitui lucidez, nem competência, nem eficácia. “Ser de esquerda”, dizia Coluche, “não dispensa (a necessidade de) ser inteligente”.

De todas as “liberdades” do capitalismo, a liberdade de acumulação é a mais criticada pela esquerda. A crítica é de que, se você pode ter tudo o que conseguir, e só o que conseguir, sempre há quem não consiga nada...

Sim!, o capitalismo é um sistema onde se pode enriquecer! É preciso lamentar isso? Não estou certo. Porque enfim, criar a riqueza é a única maneira de fazer recuar a pobreza. O capitalismo é desigual? É verdade. Mas ele é formidavelmente eficaz, e, em um país governado corretamente, mesmo os pobres acabam por tirar proveito disso. Compare o destino da classe operária em 1850, em 1900, em 1950 e hoje. Você verá que, na maior parte dos países, os progressos são consideráveis e, nesta escala de tempo, quase contínuos! Contrariamente àquilo em que frequentemente acreditamos, os ricos não precisam empobrecer os pobres. Ao contrário: quanto mais a pobreza recua, mais o comércio avança, e isso é bom para os ricos! O que me faz pensar no que me dizia um dia um amigo judeu: “Vocês, góis, são bizarros! Vocês creem que o problema é a riqueza. Mas nós, judeus, compreendemos há muito tempo que o problema não é a riqueza, é a pobreza!” No fundo, até que estou de acordo. Alguns, à esquerda, dão a impressão de que não ficarão contentes enquanto ainda haja ricos. Mas todo mundo ficar pobre, seria realmente um progresso? Uma política de esquerda eficaz, do meu ponto de vista, não é aquela que diminui a riqueza, é a que faz recuar a pobreza.

Em outro livro (Bom Dia, Angústia!), o senhor escreveu que nós pensamos no mandamento de Jesus de não termos dinheiro apenas como uma metáfora porque preferimos (ou precisamos) pensar deste jeito. Na sua opinião, a riqueza pessoal é “imoral”?

A questão moral não trata do dinheiro que ganhamos (ter um salário bastante grande não é um defeito), mas do que fazemos com o dinheiro ganho. E quanto a isso, a resposta dos evangelhos é clara: tudo que não damos está perdido e nos perde. O que é imoral não é a riqueza, é o egoísmo. Isso coloca duas questões. A primeira concerne à moral: um rico que não fosse egoísta poderia permanecer rico por muito tempo? A segunda concerne à antropologia: um ser humano que não fosse egoísta seria um ser humano?

A crise financeira do Ocidente mudou algo na maneira como vemos o capitalismo? Mudou a maneira como as coisas são conduzidas?

Muitos economistas me disseram, nesses últimos meses, que meu livro, publicado em 2004, portanto muito antes da crise, era “premonitório”. Isso sem dúvida é um exagero, mas sugere que minhas análises foram mais confirmadas que desmentidas pela crise. Esta crise de fato nos lembra que o capitalismo é amoral, que ele é incapaz de se auto-regular de uma maneira social e moralmente aceitável, enfim, que a moral é também incapaz de regulá-lo. Conclusão: só o direito e a política podem regular eficientemente o capitalismo, submetendo-o a um certo número de coerções externas, o que volta a impor aos mercados um certo número de limites não comerciais “non marchand”: “serviço ou produto” cujo preço não depende do mercado (ex.: serviço público, doméstico)... talvez a melhor equivalência fosse “sem lucro e não lucrativo”, para “non marchande et non marchandables”. Há talvez, no economês, alguma expressão para algo que não possua, digamos, “mais valia”, como o serviço doméstico? e não comerciáveis. É o que os economistas chamam hoje de “o retorno dos Estados”, e é uma boa notícia. Falta encontrar regulações eficazes em uma economia mundializada: isso passa por uma política de escala mundial. É o que se busca no G20, na OMC, no FMI, ou recentemente em Copenhague. Cada um percebe as dificuldades desse processo, que são consideráveis, mas percebe também que não há outra via.

O senhor diz que há uma geração tentando substituir ações políticas por ações morais. Isso é ruim? Por quê?

Porque isso nos condena à impotência. Não tenho nada contra as ações caritativas ou humanitárias, muito pelo contrário. Mas se você contar com elas para transformar a sociedade, você está se enganando. A moral é uma coisa grande, certamente necessária, mas que não substitui a política!

O senhor diz que o erro de Marx foi submeter a economia à moral. E afirma que isso nunca podia ter funcionado. Isso significa que todos os tipos de socialismo estão condenados ao fracasso?

O que está fadado ao fracasso, para mim, é toda forma de política que pretendesse impor o reino da virtude, da generosidade ou do desinteresse, enfim, funcionasse para algo que não o egoísmo. Isso seria querer transformar a humanidade, o que é um sonho totalitário e louco. É em nome da virtude que Saint-Just e Robespierre impuseram o Terror! É em nome do “novo homem” que criou-se o goulag! Resta então inventar um socialismo lúcido, que não peça às pessoas para renunciar aos seus interesses, mas simplesmente ser egoístas juntas e inteligentemente (é o que chamo solidariedade) ao invés de estupidamente e uns contra os outros. Isso ainda é socialismo? Pouco importam as palavras. Digamos que é a versão reformista, liberal e sócio-democrata. É o que alguns, hoje, chamam de social-liberalismo, e a expressão não me incomoda nada.

O senhor realmente acredita que as empresas estão realmente enganando seus consumidores quando dizem que são empresas “morais” ou empresas “cidadãs”?

Por um lado, sim: isso faz parte da comunicação, da publicidade. Mas há também outra coisa: todo mundo prefere defender sua boa consciência. Tanto melhor se isso força nossas empresas a antes prestar contas dos interesses da coletividade. Dito isso, não sonhemos: depende do Estado, e não das empresas, dos cidadãos, e não dos patrões, transformar a sociedade! As empresas estão aí para criar riqueza; o Estado, para criar justiça. É por essa razão que precisamos de ambos!

A sua mensagem é que nós não podemos contar com o capitalismo para ser moral. Assim, é possível crer que ações governamentais podem tornar uma nação mais moral?

Nenhum país é moral: cabe aos indivíduos sê-lo. Por outro lado, há situações moralmente escandalosas (a opressão, a exclusão, a miséria), que um governo digno deste nome deve combater. Desde a crise falamos muito na França sobre “moralizar o capitalismo”. Tudo depende do que compreendemos dessa ideia. Se pretendemos tornar o capitalismo intrinsicamente moral, de forma que ele não funcione mais com o egoísmo mas com a virtude e o desinteresse, isso é evidentemente um desejo edificante, uma mentira e uma ilusão. Ao contrário, se compreendemos por “moralizar o capitalismo” a ideia de lhe impor um certo número de limites externos, então isso não somente é possível, não somente é necessário, como já o fazemos há bastante tempo. Quando proibimos o trabalho das crianças, quando garantimos as liberdades sindicais, quando criamos o imposto sobre o lucro e a seguridade pública, quando sancionamos os abusos das posições dominantes, etc, moralizamos o capitalismo, e isso se fez, cada vez, através da política e do direito. É uma lição para guardar. A política não está aí para fazer a nossa felicidade (nós, e não o Estado, devemos velar sobre ela), mas para combater a infelicidade. A tarefa é considerável: cada um, como cidadão, deve contribuir!
Tradução de Sandra Stropparo

Lucro x Justiça

O sistema capitalista pode ser justo? Pela primeira vez em 200 anos, o mundo Ocidental parece não ter uma alternativa ao modelo de livre mercado

Por Rogerio Waldrigues Galindo
Nenhum espectro ronda a Europa. Pela primeira vez em 200 anos, o capitalismo domina o mundo Ocidental praticamente sem concorrência. Na última vez em que isso aconteceu, antes da invenção do socialismo, no século 19, a situação era absolutamente diferente da atual. Tão diferente que não existia nem mesmo uma palavra para definir o capitalismo. O termo só surgiu como oposição aos outros sistemas criados pelos teóricos.

Na época, a ideia do socialismo surgiu principalmente porque a Revolução Industrial trouxe ao mundo uma situação cruel, que muitas vezes levava ao abuso dos trabalhadores em graus extremos. De lá para cá, muita coisa mudou: na maior parte do mundo, leis foram criadas para impedir abusos e o Estado de bem-estar social surgiu para garantir direitos mínimos aos trabalhadores.
 
Agora, dois séculos depois, o modelo alternativo (comunismo, socialismo, capitalismo de Estado, ou como o queiram chamar) está, no mínimo, adormecido, senão morto. E a pergunta que fica é: sendo o capitalismo a única alternativa, é possível imaginar que ele possa criar uma sociedade justa? Ou, indo mais direto ao ponto: é possível que nasça uma sociedade capitalista em que haja pouca pobreza e onde existam chances iguais para todos?

Fim da História?

Assim que o Muro de Berlim caiu, o clima foi de euforia entre os defensores do capitalismo. Não apenas a solução marxista foi dada como morta: Francis Fukuyama publicou em 1992 um livro afirmando que a História, assim mesmo, com letra maiúscula, havia chegado ao fim. O mundo havia encontrado um modelo liberal bom o suficiente para ser considerado definitivo.

Vinte anos passados, o socialismo se enfraqueceu ainda mais. Apenas ilhas (literais, como Cuba, ou simbólicas, como a Coreia do Norte) praticam algo parecido com o comunismo. No entanto, o capitalismo, mesmo dominante, não ganhou a unanimidade que poderia se esperar. A discussão sobre sua validade, essa não morreu nem está perto disso.

Para teóricos de esquerda, o capitalismo continua condenável como sempre. “A história de pelo menos três séculos do capitalismo mostra que ele produz desigualdade e injustiça social em escala cada vez maior”, afirma Claus Germer, professor de Economia da Universidade Federal do Paraná. “Atualmente cerca de três quartos da população mundial vivem em condições extremamente precárias, representadas por uma combinação de desemprego ou subemprego, subnutrição, analfabetismo, guerra, falta de moradias, falta de saneamento, precária assistência à saúde, falta de acesso à cultura, etc.”

Para ele – assim como para todos os teóricos da esquerda – o capitalismo se baseia na exploração de trabalhadores. O dono da empresa, o capitalista, faz dinheiro em cima do trabalho de terceiros. “A teoria econômica demonstrou, já há cerca de duzentos anos, que o salário paga apenas uma parte do trabalho prestado pelo trabalhador, a outra parte o trabalhador presta gratuitamente, e o valor que o seu trabalho cria nesta parte constitui a fonte do lucro do empregador. As empresas mais significativas de todos os setores empregam atualmente milhares de trabalhadores cada uma, e se apropriam portanto de um grande volume de trabalho gratuito. É isto que se denomina exploração do homem pelo homem.”

Inovação

Há quem pense o exato oposto. É o caso do professor José Guilherme Silva Vieira, da UFPR. Ele admite desde o princípio que o capitalismo não surgiu para resolver qualquer problema social. Nem é essa a sua lógica. Mas ele acredita que, por vias indiretas, o modelo acaba levando a um desenvolvimento coletivo.
“Pense num rei do século 16 na Europa”, diz ele, para deixar claro seu argumento. “É possível que até mesmo alguém que more em uma favela hoje tenha melhores condições de vida do que ele”, opina. Exagero? Talvez não. Hoje, a medicina garante vida mais longa; a higiente e o saneamento básico garantem uma vida mais saudável; serviços básicos como água encanada e luz elétrica, embora hoje estejam ainda ausentes de muitas casas, nem sequer existiam então. “O capitalismo é o modelo da competição, da inovação. Foi esse modelo que levou aos desenvolvimentos tencológicos que temos hoje”, afirma.

Segundo Vieira da Silva, embora em um primeiro momento o capitalismo viva da exploração de trabalhadores, num segundo momento ele acaba representando a libertação destes mesmos trabalhadores.
O enriquecimento dos europeus e norte-americanos seria indício disso. Agora, seria a vez de países como Brasil estarem vivendo essa melhoria. Na sequência, China e Índia seriam beneficiadas. A criação de mais riquezas, diz a tese, leva, ainda que lentamente, a uma distribuição do que é produzido.

Democracia

Há quem vá mais longe. Para o francês Claude Jessua, professor emérito da Universidade Pan­­théon-Assas (Paris II), a democracia só pode existir sob o capitalismo. A liberdade de expressão, de opinião e de voto seria uma consequência da liberdade econômica. Num modelo centralizador, planejado, não haveria condições para o debate político.

A esquerda não concorda com a tese. “Se definimos a democracia verdadeira como ‘governo do povo’, ela é impossível no capitalismo pelo mesmo motivo pelo qual a justiça social é impossível: em um sistema baseado na exploração do homem pelo homem, explorados e exploradores não po­­dem ter direitos políticos iguais, pois caso tivessem, os explorados, que constituem a imensa maioria da população, deporiam os exploradores”, diz Germer.

O principal modelo no mundo atual que consegue conjugar tanto a igualdade entre as pessoas quanto a democracia existe apenas em alguns países da Europa. É a social-democracia, regime que se parece com um “socialismo dentro do capitalismo”. Funciona assim: todos têm as liberdades do capitalismo: livre empresa, livre associação e até livre acumulação. Com um detalhe: o governo cobra muito, muito imposto. E usa esse dinheiro para dar serviços públicos de qualidade a todos. O caso mais famoso de social-democracia é o da Suécia.

Outros países que costumam liderar or rankings de qualidade de vida e igualdade de condições adotam o modelo, ou versões parecidas: Dinamarca, Noruega, França e Canadá, por exemplo.
No entanto, ninguém acredita que a social-democracia sirva para todo o mundo.
Primeiro, dizem os teóricos, é preciso lembrar que esses países já eram ricos antes de implantar o sistema. Segundo, nenhum de­­les tem o tamanho do Brasil, Es­­tados Unidos ou Índia, que poderiam ter dificuldades em copiar o sistema.

“Creio que todos gostariam que todo o mundo pudesse seguir o modelo destes países. Infeliz­­men­­te, no capitalismo é impossível que todos os países sejam como a Suécia, porque não é possível ha­­ver ricos muito ricos sem que haja pobres muito pobres, porque são estes últimos que produzem a riqueza que se concentra nas mãos dos ricos”, diz Germer.

A social-democracia parece, para boa parte dos teóricos, ser a luz no fim do túnel. Liberdade, riqueza e igualdade ao mesmo tempo. Se isso será possível em algum lugar fora dos países ricos da Europa, porém, é uma resposta que ninguém ainda tem.

“Mão invisível”
Saiba mais sobre o nascimento do sistema capitalista:
Origem
Ao contrário de outros modelos, como o socialismo e o comunismo, que nasceram primeiro na cabeça de teóricos para depois serem implantados, o capitalismo surgiu sem que ninguém percebesse. No fim da Idade Média, quando as pessoas, na Europa Ocidental, deixaram o campo e passaram a viver em grandes cidades, um sistema de troca baseado na moeda passou a ser importante: cada um tinha uma profissão, e precisva de dinheiro para comprar o que as pessoas de outras áreas produziam.
Dinheiro
O sistema tem como principal característica o uso do dinheiro para produzir mais dinheiro. O capitalista é o dono do recurso. Investe-o em uma empresa ou no banco, esperando retorno financeiro. O direito à propriedade é a base de tudo. É um regime de grande liberdade econômica: permite-se a livre empresa e a livre acumulação.
Coletividade
A grande dúvida sobre o sistema sempre foi se ele seria justo. Adam Smith, o primeiro grande teórico a tentar entender o sistema, acreditava que uma “mão invisível” levaria o mercado a favorecer a coletividade. Mesmo agindo por ganância, o homem acabaria dando empregos a outros, remunerando terceiros e distribuindo riqueza.
Alternativas
No século 19, outros teóricos duvidaram disso e criaram sistemas alternativos em que a riqueza seria distribuída de maneira igualitária por intervenção de um Estado forte. Os mais famosos são o socialismo e o comunismo.
Igualdade
A ideia do que é justo também varia:
Origem
A ideia de um mundo justo sempre esteve presente no mundo, desde a Grécia antiga. O que é um mundo justo, porém, depende da concepção de cada autor. Para Marx, por exemplo, seria necessário seguir um princípio famoso: “De cada um segundo suas possibilidades; a cada um, segundo suas necessidades”.
Reflexão
No século 20, um livro causou sensação ao propor uma reflexão sobre a justiça social. John Rawls, ao escrever Uma Teoria da Justiça, afirmou que deveríamos fazer o seguinte exercício: imaginar que ainda não nascemos e que não temos a mínima ideia das condições que vamos encontrar aqui fora. Que mundo esperaríamos encontrar para nós?
Condições
Para os defensores do capitalismo, a teoria mais aceita continua sendo a de que é preciso dar condições minimamente iguais a todos de início. No decorrer da vida, no entanto, o mérito pessoal e o esforço determinariam a recompensa colhida por cada um.
 

LIVROS SOBRE LUTO

Obras sobre morte não faltam, mas as que abordam diretamente o luto são menos frequentes. Veja algumas sugestões:
Livros

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Vivemos como se não fôssemos morrer

Entrevista com Evaristo Eduardo de Miranda, doutor em Ecologia e ministro das exéquias

A morte é instauradora da liberdade e da esperança em nossas vidas.” Com este posicionamento, forte para alguns, Evaristo Eduardo de Miranda, doutor em Ecologia e ministro de exéquias na Igreja Católica, se apresenta na entrevista concedida por e-mail à Gazeta do Povo. Ele é autor dos livros Agora e na Hora – Ritos de Passagem a Eternidade e A Foice da Lua no Campo das Estrelas – Ministrar Exéquias (Edições Loyola), que discutem a morte, o luto e os rituais de passagem.

Como a nossa sociedade se relaciona com a pessoa enlutada?

Em geral, de forma equivocada. Buscam retirar a pessoa da tristeza, querem que ela se distraia, convidam para sair, passear, viajar, eliminam objetos, roupas e tudo que possa lembrar o falecido etc. É um grande equívoco. Um verdadeiro delito. O processo de luto não é uma coisa doentia. É normal a pessoa se retirar, concentrando-se sobre si mesma e esquecendo um pouco do mundo exterior. É normal chorar. O luto é sadio. Diante de um caixão a pessoa sabe quem perdeu. Mas ainda não sabe o que perdeu. O que está indo embora com aquela pessoa. Que coisas não acontecerão mais, que experiências não poderão mais ser vividas. O processo de luto ajuda a pessoa a realizar a perda. O alcance da perda de um ente querido. A morte dos outros nos ajuda a nos prepararmos para nossa própria morte.

Qual a importância de cumprir os rituais de luto?

Durante anos, a pessoa esteve viva e presente. Agora durante anos, estará morta e ausente. Mas existe um período muito especial, de 12 a 24 horas, em que a pessoa está morta e presente. Todas as sociedades cuidam desse período que antecede o enterro, com ritos. Os rituais católicos das exéquias, do enterro, têm dois mil anos de experiências acumuladas e grande sabedoria. São ritos de corpo presente e de corpo ausente (missa de sétimo dia, 30 dias, Finados etc.). Esses ritos beneficiam a todos. Os símbolos, as orações, a encomendação do defunto, a benção do corpo, são essenciais para ajudar no luto, para reconciliar as famílias, para ajudá-las a perdoar e evitar o remorso ou a vingança. Para os que creem o rito também beneficia o irmão falecido. Ao invés da busca da comunicação com os mortos, instaura-se a comunhão com eles, com todos aqueles que nos antecederam na morte. Os cristãos chamam isso de comunhão dos santos.

Estes rituais se modificaram ao longo do tempo? Há uma tendência de encurtá-los e isso é prejudicial?

Hoje as pessoas livram-se dos mortos como de uma ameaça. Como se os defuntos fossem contagiosos. Fazem tudo com pressa e de forma quase clandestina. Como se fosse vergonhoso ter um morto na família. Os enterros não saem mais das casas, nem dos hospitais. Os corpos são velados rapidamente nos cemitérios e enterrados sem ritos, quase sem velório. Depois os filhos, os esposos, parentes e amigos pagam um preço psicológico muito alto por essa falta de cuidados e atenção, e até de respeito aos mortos. Hoje a morte ocupa no inconsciente das pessoas um lugar perturbador que no passado em grande parte era ocupado pelo sexo. A morte virou um tabu. O velório coloca a pessoa em contato real com o morto e com nossa própria morte. Velar significa cuidar. Esse tempo é necessário para nossa reflexão. Para preparar o luto. Com os símbolos dos ritos, nosso inconsciente pode elaborar tudo isso de forma ainda melhor. Se os pais amam os filhos, deveriam sempre lembrá-los (para o bem deles) que desejam rituais de enterro os mais completos possíveis.

O luto é um tema indigesto em uma sociedade que parece cada vez mais hedonista? Isso o torna um tabu?

Mais do que o luto, a morte é o grande tabu. Ninguém gosta de tocar no assunto. O tema é evitado nas conversas. Vivemos como se não fôssemos morrer. A morte é apresentada como algo acidental e não natural. A pessoa morre porque era obesa, porque teve câncer e o câncer não tem cura, porque estava dirigindo muito rápido etc. Como se ser vegetariano, andar com prudência, fazer exercícios regulares livrasse alguém da morte. Morremos porque somos mortais. Devemos viver bem, mas a consciência da morte instaura o tempo em nossa vida. Sabemos que temos um tempo limitado. Devemos fazer boas escolhas, com liberdade, e não perder tempo com besteiras, com modas, com situações insolúveis ou supérfluas.

Há espaço para o luto no cotidiano conturbado da nossa sociedade?

Sim. Antigamente, as pessoas se vestiam de preto, havia o luto de 30 dias, de um ano, o luto fechado. Hoje esses símbolos e manifestações exteriores desapareceram. Isso dificulta a comunidade no reconhecimento de uma pessoal enlutada. Mesmo assim é possível e necessário viver o luto. O luto nos coloca diante da realidade, do princípio de realidade. Quem não vive o luto tem dificuldade de aceitar o real, passa o tempo tentando viver como se o falecido ainda estivesse ali. A pessoa mergulha na melancolia. Um dos últimos escritos de Freud, magnífico, é um texto intitulado Luto e Melancolia. Desorientadas, sem entrar no luto e na luta do real, as pessoas conversam com os mortos nos sonhos. Até aí, tudo bem. Mas às vezes tentam falar efetivamente com esse objeto que não existe mais. Recorrem a outras pessoas para comunicar-se com o morto. E quando isso progride, há casos em que a pessoa começa efetivamente a falar com o morto, em casa, na rua, no jardim... Aí já estamos na esquizofrenia e diante de um processo muito doloroso e em muitos casos irreversível.

Encontros para o amparo mútuo

O que leva alguém a procurar ajuda mútua em um grupo como o Amigos Solidários na Dor do Luto? Em geral, são pessoas que se sentem diferentes dos outros, responde a coordenadora Zelinda de Bona. A morte de um filho, por exemplo, caso mais comum entre os frequentadores, não deixou ainda de doer.
“Eles se sentem um pouco deslocados, diferentes, e às vezes nem têm vontade de se encontrar com outras pessoas”, diz a senhora de 73 anos, que há oito participa do grupo.

Enquanto o resto do mundo seguiu adiante, a mãe ou o pai continuam sentindo a necessidade de lembrar e falar daquele que se foi. E nem sempre encontram, em casa ou porta afora, ouvidos afáveis ao drama solitário. “As outras pessoas talvez não queiram escutar porque não sabem como lidar com nossa dor. No grupo, encontram mais espaço.”

“Nós, que já vivemos o luto, acolhemos essas pessoas para que consigam lidar melhor com a dor”, diz Zelinda. Sem formação técnica, ela compartilha vivências com os outros participantes, que variam muito em perfil e número, mas não costumam ser menos de 15 por sessão.

As reuniões acontecem a cada segunda-feira, na ala do curso de Psicologia da Universidade Federal do Paraná, na Praça Santos Andrade. Em círculo, começam com uma oração ecumênica e se abrem para depoimentos pessoais, respeitando sigilo fora dali. O encontro termina mais informal, num chá com biscoitos, quando o que não foi dito à roda pode ser desabafado num canto, com quem se tem mais afinidade.

Não há regras de frequência: vai quem (e quando) sente necessidade, fala o quanto quer, ri e chora, de acordo com o humor. “Tem pessoas que chegam muito mal e revoltadas com o mundo, a vida, até com Deus. Outras chegam caladas. Não tem padrão. Mas uma coisa eu digo: elas sempre saem melhor”, garante a senhora. Zelinda compara o grupo à resistência das sequóias, que entrelaçando as raízes, se fortalecem.

“A vida nunca será igual, mas tem que ser vivida porque há outras pessoas que o cercam e precisam de você”, generaliza, falando de si mesma: “Eu troquei a ausência do meu neto pelas saudades. Já não me revolto, agradeço os 14 anos que ele esteve em nossa família.”

Tempo

O Amigos Solidários na Dor do Luto foi criado em 1998 pela escocesa Rose Ann Figurelli, casada com um brasileiro. Ela havia perdido o filho mais velho para um câncer violento. Passado algum tempo, foi à Escócia em uma visita familiar e ouviu falar de um grupo de pais em luto que se reunia uma vez por semana. Trouxe a ideia e a pôs em prática, cinco anos depois da morte do rapaz.

Zelinda também tardou seis anos entre a perda do neto e o ingresso no grupo. Mas há quem procure os Amigos Solidários logo depois dos rituais de despedida. Como não funciona com um orientador, mas por amparo mútuo, é importante que alguns dos participantes já tenham elaborado melhor seu luto, para poder mostrar mais estrutura emocional diante do desabamento alheio.

“A morte e a vida caminham juntas. Na hora de nascer, você já perde a placenta. No decorrer da vida, vai tendo outras perdas: perde o seio da mãe que o amamentava, perde o colo quando começa a caminhar, vai à escola e deixa a casa, perde a juventude, as antigas formas, sai de casa, perde os pais, a esposa. A vida são perdas e ninguém está preparado para a morte, mas está aí”, diz, sem pessimismo, com resignação.
Zelinda percebe que há, contudo, quem se apegue ao luto crônico. Mães ou pais cujos filhos morreram há uma década, mas que ainda querem vivenciar o luto. A esses, alerta: “Outras pessoas precisam de você inteiro. Ninguém quer uma mãe ou um pai ou uma avó pela metade.”

Serviço

Amigos Solidários na Dor do Luto. Reuniões às segundas-feiras às 14h30. Prédio Histórico da UFPR – 1º andar, ala de Psicologia, sala 118 (Praça Santos Andrade).