quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Como funciona a indústria da cremação e por que ela prospera no mundo todo

Como funciona a indústria da cremação e por que ela prospera no mundo todo

No maior crematório do Brasil, o de Vila Alpina, em São Paulo, a média desse tipo de rito funerário dobrou em uma década, chegando a 10 mil por ano.
 
“Favor comparecer à sala de cerimônias.” É assim, por um chamado de um alto-falante, que as crianças até então se divertindo com observar carpas num laguinho e os adultos por perto entram no prédio. Todos se movem em direção a um anfiteatro de cortinas brancas e assentos com almofadas verdes. O centro da sala é conectado por um elevador ao andar de baixo. É por ali que sobe o motivo daquele encontro: um caixão. Passam-se dez minutos de palavras e homenagens ao falecido. É tudo rápido. Em seguida, a urna desce pelo mesmo caminho de onde surgiu, no elevador onde nada mais cabe além dela. Encerrada a cerimônia, a família deixa o anfiteatro. E aí começa a parte que quase ninguém conhece.
Quando o caixão desce, uma campainha toca alguns metros abaixo. Um funcionário do Crematório Municipal Dr. Jayme Augusto Lopes, mais conhecido como Vila Alpina, na Zona Leste de São Paulo, abre a portinhola e recebe a urna. Com a ajuda de um carrinho, a coloca em uma câmara frigorífica. A urna vai esperar ali no mínimo 24 horas, prazo estabelecido por lei — ou 72 horas, ou até dez dias, dependendo da religião ou escolha da família. Passado o tempo determinado, a urna entra numa fila de caixões que serão incinerados.
Faz calor, mas não é o sol. São os quatro fornos a gás de 4 metros de altura. Em 1974, esse foi o primeiro crematório da América Latina. Por muito tempo, foi o único. Hoje, existem mais de 100 só no Brasil. E a demanda é crescente. Um número cada vez maior de pessoas acha que não faz mais sentido ter como única alternativa após a morte ir parar debaixo da terra. A falta de opções parece não combinar com nossa era, marcada pela abundância de escolhas. Num claro sinal de quebra de uma tradição milenar dos cristãos, ser cremado virou, digamos assim, uma nova tendência.
Para otimizar a incineração de corpos no crematório da Vila Alpina, a cada meia hora funcionários remexem as cinzas usando uma espécie de pá gigante Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
Para otimizar a incineração de corpos no crematório da Vila Alpina, a cada meia hora funcionários remexem as cinzas usando uma espécie de pá gigante Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
Na década passada, a média de corpos cremados por ano no Vila Alpina foi de 4.630. Em 2017, o número passou dos 10 mil. No Primaveras, cemitério e crematório em Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo, as cremações já representam 30% do total. O Cemitério da Penitência, no Caju, Rio de Janeiro, começou a cremar corpos em março. No primeiro mês, foram oito. Em outubro, foram quase 150. Gisela Adissi, presidente do Sindicato dos Crematórios e Cemitérios Particulares do Brasil, disse que a procura cresce em todas as regiões do Brasil.

O fenômeno está longe de ser tipicamente brasileiro. A própria Igreja Católica, que aboliu a proibição da incineração dos mortos nos anos 60, sentiu-se recentemente obrigada a dar novas instruções sobre o tema por causa do “significante aumento” da prática em vários países. As regras aprovadas pelo papa Francisco dizem que a Igreja prefere que os mortos sejam enterrados, mas continua permitindo a cremação, com uma ressalva importante: as cinzas não devem ser espalhadas.
Depois de retirados dos fornos, os restos queimados são peneirados para que sejam retirados pedaços de madeira do caixão e de flores. Em seguida, os fragmentos de ossos são levados a um triturador Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
Depois de retirados dos fornos, os restos queimados são peneirados para que sejam retirados pedaços de madeira do caixão e de flores. Em seguida, os fragmentos de ossos são levados a um triturador Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
Nos Estados Unidos, são mais de 2.100 crematórios. Em estados como a Califórnia, entre 60% e 80% dos mortos são queimados. No Canadá, desde o começo da década passada, a maioria dos mortos é cremada. Na Inglaterra, de cada dez mortos, sete são cremados — ashes to ashes, como cantou, citando uma passagem bíblica, David Bowie, que em 2016 deixou tantos de nós de luto. Suas cinzas foram espalhadas na Ilha de Bali, na Indonésia.
No Vila Alpina, cada incineração leva em média duas horas. Corpos mais pesados demoram mais. Caixões de 250 quilos levam o dobro do tempo. A maioria das urnas é de madeira, mas também há de papelão — a família escolhe. Só não pode ser metal. Joias e acessórios derretem no forno. A exceção são os marca-passos, que devem ser previamente retirados, pois explodem no fogo.

A rotina se repete por 24 horas, todos os dias. O funcionário retira as alças e o vidro que cobrem a parte superior do caixão e, com o auxílio do carrinho, acomoda a urna no forno, já aquecido a 800 graus. Quando a urna pega fogo, a temperatura sobe para mais de 1.000 graus. A cada meia hora, o funcionário levanta a porta do forno para espalhar as cinzas e otimizar a incineração. Usando avental e proteção para olhos e ouvidos, ele manuseia uma espécie de pá gigante para remexer o fogo.
Os tempos de atividade em cada forno são controlados com anotações, e as urnas identificadas com números e nomes. Os fornos possuem uma espécie de gaveta na parte dianteira, para onde são dirigidos os restos queimados, puxados de dentro do equipamento. A gaveta sai em brasa, com os fragmentos de ossos. Não, os ossos não queimam totalmente. As gavetas são levadas a uma sala contígua, com suas respectivas identificações, onde resfriam por cerca de 40 minutos. Depois, o “conteúdo” passa por uma grande peneira. “É para separar os restos da madeira e flores que estavam no caixão dos ossos fragmentados”, explicou Filomena Falconi Alcântara, há 31 anos auxiliar técnico-administrativa no Serviço Funerário do Município de São Paulo.

Dali, os fragmentos de ossos são levados a um triturador. Pequenas bolas de ferro, bastante pesadas, também são colocadas no equipamento ligado para ajudar a quebrar os ossos com o movimento. Os pedaços menores lembram uma casca de ovo. As cinzas são, então, colocadas em um saco transparente de tamanho A4, que pode ser entregue assim aos familiares ou transportado a uma urna. Ao final, os cerca de 70 quilos de um corpo humano viram de 2 a 3 quilos de fragmentos de ossos. A funcionária Falconi mostrou os sacos plásticos organizados em uma caixa — são dezenas, todos identificados. Quando foi a vez de seu pai ser cremado ali, Falconi não teve coragem de ficar junto ao forno.

É importante desfazer aqui três mitos sobre o processo de cremação. O primeiro: não há corpos empilhados no mesmo forno. Em cada equipamento cabe apenas uma urna por vez. E tanto fornos quanto gavetas são limpos a cada incineração. O que não evita, claro, que algumas partículas de pó humano se misturem no ar.
Segundo: não se sente um cheiro forte e nauseante durante a queima. Nada do odor de carne assando nas margens do Ganges, em Varanasi, na Índia. Cada forno é projetado com diferentes câmaras com desenho em “U”, que fazem a fumaça circular por filtros de ar. Ela vai se dissipando no caminho e se torna quase imperceptível na chaminé que liga o andar subterrâneo dos fornos à superfície. O terceiro ponto é a composição das cinzas. Como somos feitos de 75% de água, as cinzas se resumem a ossos triturados.

É com objetividade que os funcionários tentam não associar emoção ao trabalho. Salvador Barriero passa pela experiência há pelo menos 11 anos. Começou antes ainda, com limpeza, sepultamento e exumação em um cemitério. “Quando passei no concurso, morria de medo. Tinha pesadelo com defuntos, de como seria”, afirmou. Hoje diz que “é um serviço normal, como outro qualquer”. Em um turno de 12 horas — os funcionários descansam as 24 horas seguintes —, Barriero chega a incinerar cerca de 15 corpos.
A pior parte é quando chega uma criança. Não raro, bichinhos de pelúcia no caixão vão junto para o forno. Há lendas também. Uma vez, um músico foi cremado com o violão e, até hoje, os funcionários brincam dizendo que escutam uma cantoria de vez em quando. O semblante de Barriero só fica sério ao lhe ser perguntado como imagina o próprio fim. “Quero ser enterrado. Não quero ser cremado, não. Vai saber se dói. Nunca morri para saber.” O que sente depois de tantos anos? “Moça, para resumir bem (ele olha para o forno), nós não somos nada. E todo mundo vai acabar do mesmo jeito.”
A imagem das chamas, em suas nuances de vermelho e amarelo, é viva e impactante. Para algumas religiões, o fogo purifica. E, para muitas famílias, a cremação representa menos sofrimento que um sepultamento. Não resta uma lápide permanente a encarar. Não há custos fixos no longo prazo. No Vila Alpina, o preço da cremação vai de R$ 115 a R$ 2.100. O que encarece é o tipo de caixão. E a urna é cobrada à parte. Já o sepultamento parte de R$ 40, mas há taxas de jardinagem e manutenção do túmulo além do serviço funerário. Após três anos, também é preciso fazer a exumação, cujo preço começa em R$ 103. Até aí, a família já gastou pelo menos R$ 2 mil, no formato mais simples. Mas a motivação para cremar nem sempre está ligada ao preço. Dá para fazer a cremação e continuar indo ao crematório.
Sala de velório personalizado no Primaveras, de Guarulhos. Clientes podem escolher iluminação, comida, som e imagens Foto: Francio Holanda / Agência O Globo
Sala de velório personalizado no Primaveras, de Guarulhos. Clientes podem escolher iluminação, comida, som e imagens Foto: Francio Holanda / Agência O Globo

Lápide dos Mamonas Assassinas no cemitério Primaveras, de
Guarulhos. Visitantes podem escanear um QR Code para conhecer a história do grupo. O cemitério oferece o serviço a todos os clientes Foto: Francio Holanda / Agência O Globo
Lápide dos Mamonas Assassinas no cemitério Primaveras, de Guarulhos. Visitantes podem escanear um QR Code para conhecer a história do grupo. O cemitério oferece o serviço a todos os clientes Foto: Francio Holanda / Agência O Globo
A verdade é que passamos por uma ressignificação dos rituais de despedida. A maior procura por cremação aumentou o número de columbários. São salas com espaços para dezenas de urnas com cinzas, que ficam dispostas em vitrines de vidro personalizadas. A do Primaveras, cemitério e crematório em Guarulhos, famoso por abrigar os integrantes do grupo Mamonas Assassinas, fica ao lado das salas de velório, de frente para o jardim de lápides. Cada quadrado é uma dimensão de memória e saudade.
Nicho de cinzas no columbário do Primaveras, de Guarulhos. Parentes costumam deixar objetos de que o morto gostava Foto: Francio Holanda / Agência O Globo
Nicho de cinzas no columbário do Primaveras, de Guarulhos. Parentes costumam deixar objetos de que o morto gostava Foto: Francio Holanda / Agência O Globo
Alguns guardam óculos, camisas de time de futebol, maço de cigarro, imagens de santos, revista de palavras cruzadas, porta-retratos eletrônico, baralho, sapatinhos, dinossauro de brinquedo... O que fica com a luz permanentemente acesa é de uma senhora que tinha medo do escuro. Outro acabou de ganhar uma miniatura de Kombi que pisca — presente da filha, que há pouco mais de um ano cuida da decoração do nicho do pai, arrumado também com boné, vidro de perfume e um relógio (a bateria ainda funciona).
No nicho de Ismael de Almeida, dois vasinhos de flores, óculos e uma camisa azul do time da pelada ficam na frente da urna do major da polícia falecido há quatro anos. O filho Marco reluta em levar também as condecorações, ainda guardadas em casa. “Quando dá saudade, a gente vem”, afirmou. A esposa de Almeida, Elia, elogiou a localização: a vitrine no fundo da sala, no canto inferior direito, fica bem perto de um jardim vertical, atrás de um muro de vidro. “Ele não gostava de ir a velório, nem de visitar cemitério. Mas aqui é calmo, traz paz. Menos impactante do que uma lápide. Já avisei a meus filhos para quando for minha vez me colocarem aqui do lado.”

O uso do columbário do Primaveras é grátis por 30 dias. Depois, as famílias que optam por deixar as cinzas ali pagam R$ 150 mensais pelo espaço. As cremações são feitas em outra sala mais adiante. Ao contrário de outros crematórios no mundo, em que a urna desce por um elevador para ser incinerada, no Primaveras ela sobe, alçada por um elevador — o que, de acordo com o marketing do crematório, seria uma representação simbólica da elevação do espírito.
A lápide dos pais do comerciante Sérgio Fini com QR Code para celular, que leva a um site com fotos e informações sobre eles Foto: Francio Holanda / Agência O Globo
A lápide dos pais do comerciante Sérgio Fini com QR Code para celular, que leva a um site com fotos e informações sobre eles Foto: Francio Holanda / Agência O Globo
O comerciante Sérgio Fini quis um layout novo para decorar a lápide da mãe, Antonieta. Ela faleceu em junho e foi sepultada ao lado do marido, Ernesto, morto há oito anos. “Eles tiveram quatro filhos e criaram uma família com amor. Essa é uma forma de fazer algo para mostrar a eles que valeu a pena”, disse Fini. A lápide dos pais tem até QR Code para celular, que leva a um site com fotos e informações sobre quem foi sepultado ali.
Caixa de memórias, nas quais familiares colocam imagens e objetos de seus entes queridos Foto: Francio Holanda / Agência O Globo
Caixa de memórias, nas quais familiares colocam imagens e objetos de seus entes queridos Foto: Francio Holanda / Agência O Globo
A transformação pela qual passa a indústria da morte no Brasil, um setor que movimenta R$ 7 bilhões por ano, é consequência também de uma nova geração de empreendedores, que muitas vezes herdaram o negócio de cemitérios dos pais e querem inovar. Gisela Adissi, que também é presidente do grupo Primaveras, inventava, quando criança, histórias para os coleguinhas da escola sobre de onde vinha o sustento da família. Já adulta, depois de provar o dia a dia em multinacionais, sentiu que seu propósito estava mesmo no negócio dos pais. “Muitas vezes somos vistos como vilões, como os que ganham dinheiro no pior momento da vida das pessoas. Mas sabemos também que com o cliente existe uma família que adoece e que precisa de acolhimento”, afirmou Adissi.

Ela formou um grupo com outros herdeiros do ramo funerário para trocar ideias com cemitérios pelo mundo. Já foram aos Estados Unidos, Chile, Peru, Colômbia, Japão, China, Espanha, Itália. Há dois meses, estavam na Bolívia. No ano que vem, será a vez da Austrália, e, em 2021, vão carimbar o passaporte para o México. Foi de um rapaz da Malásia e que mora na Austrália, aliás, que veio a ideia da plataforma on-line de homenagens, acessada pelo QR Code nas lápides. Ele havia perdido o pai, estava longe e queria se comunicar com a família, contar as memórias dele. Na plataforma há opção de as pessoas “participarem” ao vivo dos velórios, acenderem vela virtual, avisarem sobre missas, deixarem mensagens na página — as crianças podem mandar desenhos.
O despachante público Luiz Claudio Correia Nunes, de 64 anos, já idealizou o que acontecerá quando chegar sua vez. “Quero bastante alegria, ninguém chorando, aquela lamentação toda. Tenho um lado roqueiro, sou festeiro. Meu sonho é que no meu velório toque Iron Maiden, interpretando ‘Phantom of the opera’. Também quero que os convidados possam beber vinho, cerveja artesanal, prosecco”, contou Nunes, que já pagou por um plano funerário no Cemitério da Penitência, no Rio de Janeiro.
 
 
As ideias atendem ao gosto do freguês. Em Porto Alegre, uma família pediu para servir chope, tequila e uma tábua de frios em um velório. Em outro, o neto dançou valsa em homenagem à avó. Já na cerimônia de despedida de um militar, foi preciso adaptar o espaço para receber uma tropa de cavalaria. Houve ainda um pedido para o velório ser feito dentro de um barco, com a capela ornamentada com tarrafa, vara de pescar e banquinho.
A procura levou o complexo da Penitência, no Rio, a lançar em setembro um menu de serviços especiais para o grand finale. Os velórios podem ter trilha sonora, música ao vivo — há uma playlist das mais tocadas, e “Ave Maria” e “Amigos para sempre” são campeãs de pedidos —, projeção de fotos e vídeo, chuva de pétalas de rosa e transmissão on-line, com senha de acesso para um site, além de QR Code nos jazigos verticais. É possível, também, remontar o quarto ou o escritório de quem partiu no mausoléu do cemitério vertical, ou criar cenários, como uma praia. É a morte espetáculo.
O cemitério Jardim da Ressurreição, de Teresina, já fez muita gente rir. Há dois anos, virou “o cemitério mais famoso da internet” graças a uma campanha peculiar nas redes sociais. Ideia do filho do proprietário, Diego Oliveira. Algumas das postagens mais famosas no Instagram: “Senhoras e senhores, ninguém mais vai morrer. Ass: Dona Morte (É verdade esse ‘bilete’)” — uma referência a um meme famoso de uma criança que inventou um bilhete da professora; “Hoje é dia daquele amigo que sempre desenterra seu passado sujo. 17/08 — Dia do coveiro”; “Hoje eu tô só o pó” (e a foto de uma urna) ou ainda “Que tiro foi esse?” (e uma estátua no chão). A conta repleta de memes tem mais de 16 mil seguidores. “Somos bem leves na página, mas claro que não usamos esses termos com os clientes. Aí a preocupação é com a dor da família”, explicou Maria das Dores, gerente do cemitério.

Frases bem humoradas nas redes sociais, cremação, homenagens com bebidas alcoólicas, decorações temáticas, músicas, alternativas digitais...Todas essas estratégias, bem com a cara do século 21, parecem ser uma tentativa de tirar o peso da finitude. E, de fato, muitas pessoas afirmam que as novidades as ajudam a amenizar o sofrimento. Mas fica uma dúvida: será que o medo de morrer, assim como a dor de quem fica, não é tão inevitável como a morte? 
 
 Revista EPOCA




 

quarta-feira, 2 de maio de 2018

A cidade de São Paulo deve privatizar seus cemitérios? NÃO

No Dia de Finados, visitante observa jazigo do ex-presidente Campos Sales no cemitério da Consolação, em São Paulo
Simão Pedro
O agora ex-prefeito João Doria (PSDB) chamou a privatização do Serviço Funerário Municipal de "a joia da coroa" das entregas que pretendia realizar na capital, proposta lamentavelmente autorizada há alguns dias pelo Tribunal de Contas do Município.

Ele usou até um termo pejorativo para se referir às 220 mortes que, em média, ocorrem diariamente na cidade: "indústria da morte", alvo de cobiça do setor privado.

O Serviço Funerário Municipal (SFM) é um monopólio do município e assim foi pensado porque a morte é um momento de dor para as famílias, em que o amparo do Estado é fundamental.

Doria ignorou que é dos registros do SFM que saem as políticas de vigilância epidemiológica, informações sobre causa das mortes e estatísticas de violência, dados que precisam estar sob o controle público --além disso, os cemitérios são espaços de cultivo da história e cultura.

O SFM é o responsável pela gestão de um crematório, 15 agências, 118 salas de velórios e 22 cemitérios. Quando assumimos a gestão, em 2013, estava desmantelado e com déficit de R$ 18 milhões.

O quadro era produto do sucateamento programado pela gestão Serra/Kassab (2005-2012) para justificar e fazer a população aceitar a ideia de uma privatização, como agora.

O tempo de espera entre o momento da compra do serviço e a chegada do corpo para ser velado demorava em média absurdas 8 horas; velórios e crematório estavam sucateados; não havia logística racional de transporte; os preços dos serviços estavam defasados; "papa-defuntos' (agentes privados de fora) agiam clandestinamente; funcionários com baixos salários e baixa autoestima; sepultadores usando métodos antigos; contratos caros de fornecedores; e a corrupção corria à solta.

Para enfrentar a situação, reajustamos os salários dos que ganhavam menos; atualizamos as taxas; realizamos pregões eletrônicos e baixamos custos; mudamos a logística e descentralizamos o atendimento; contratamos novos carros; e reformamos o crematório para funcionar de 12 para 24 horas.

Por meio de emendas, reformamos os velórios e agências. Abrimos duas novas no IML central e no SVO (Serviço de Verificação de Óbitos) para combater os "papa-defuntos"; realizamos concurso público e compramos escavadeiras para os sepultadores. No combate a furtos, ampliamos, com a Guarda Municipal, a vigilância 24 horas dos cemitérios Consolação, Araçá e São Paulo; colocamos iluminação nos cemitérios São Pedro, Vila Formosa, Consolação, Araçá e no crematório da Vila Alpina; e devolvemos o serviço de recolha de corpos para o Estado. 

Resultado: melhoramos os serviços prestados e diminuímos o tempo de espera de 8 horas para 1 hora e meia. Em 2016, o SFM tornou-se superavitário em mais de R$ 3 milhões, como reconheceu o TCM.

Na parte da valorização da memória, estabelecemos com a PUC-SP um programa de materiais pedagógicos; aulas para docentes da rede municipal; levantamento e conservação da arte tumular; desenvolvimento de site e aplicativo para visitas autoguiadas.

Foram oferecidas atividades de música, cinema e teatro; palestras sobre o luto infantil e parental. O SFM recebeu o Prêmio "Experiência Destacada" da Associação Internacional de Cidades Educadoras pelo programa "Memória e Vida", que sintetizou a ocupação cidadã dos cemitérios.

A privatização dos serviços funerários não significa melhoras. Existem vários exemplos de onde piorou e encareceu para os cidadãos. Vamos ficar nas mãos dos "papa-defuntos"?

Os problemas que ainda persistem devem ser superados e não usados como desculpas para a privatização. A morte como objeto de lucro representa degradação moral e é contrária aos anseios de uma cidade melhor e mais humana. 
Simão Pedro
Sociólogo, ex-deputado estadual em São Paulo pelo PT (2003-2013), foi secretário de Serviços da Prefeitura de São Paulo (2013-2016, gestão Haddad)

    A cidade de São Paulo deve privatizar seus cemitérios. SIM

    Túmulos furtados no cemitério da Consolação, no centro de São Paulo
    Como bem informou esta Folha em reportagem publicada em 26/6/2017: "Enterro tem via-crúcis com assédio, desinformação e constrangimento". Essa é a saga de quem busca o serviço funerário ou os cemitérios públicos da cidade de São Paulo.
     
    Apesar de ser um serviço superavitário, os problemas e a ineficiência vêm de longa data, e desde o início desta gestão, decidimos enfrentá-los, propondo uma solução: a concessão do crematório e dos cemitérios municipais.

    A prefeitura possui aproximadamente 350 mil jazigos públicos, realiza mais de 45 mil sepultamentos e 10 mil cremações por ano na cidade. Tais números fazem da autarquia municipal uma das maiores prestadoras desses serviços no mundo, um raro caso de cidade onde o setor privado tem atuação limitada.

    Não são poucos os casos de furtos e invasões em jazigos, má conservação e falta de manutenção. É triste, e o momento da morte em São Paulo precisa de mais dignidade. Hoje, o serviço custa caro e é ruim, bem diferente de outros lugares do mundo.

    Apesar do grande esforço do Serviço Funerário Municipal, responsável pela administração dos equipamentos, a qualidade está longe da ideal.
    Com a concessão, o setor privado poderá realizar investimentos para melhorar o atendimento à população, tendo em vista que a administração municipal não dispõe desses recursos.

    A concessão prevê uma série de diretrizes que vão modernizar o serviço público. O parceiro privado deverá manter as gratuidades aos mais pobres, garantir a segurança e melhorar a infraestrutura dos cemitérios.

    Nos cemitérios-parque, principalmente, a troca das chamadas "quadras-gerais" —onde os caixões são enterrados direto na terra— por gavetas de alvenaria fará com que o espaço seja otimizado e a contaminação ambiental controlada.

    Além disso, novos crematórios serão construídos para atender à demanda dos paulistanos, que segue uma tendência mundial.

    Essas modernizações imprescindíveis têm custo, obviamente. Acreditamos que a melhoria na gestão e a otimização dos recursos já pagos pelos cidadãos serão o principal mecanismo de financiamento de tais ações. Não vamos propor nada diferente do que já ocorre hoje.

    No entanto, há uma distorção na atual forma de arrecadação: os cemitérios onde há jazigos concedidos perpetuamente, em geral para famílias ricas, são subsidiados por aqueles com covas alugadas por um período de três anos, principalmente para pobres.

    Por essa razão, tarifas de manutenção, cobradas nos cemitérios particulares da cidade, estão sendo estudadas.

    Também é importante ressaltar o papel do Tribunal de Contas do Município (TCM) no processo. Em junho do ano passado, lançamos um Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) para ouvir da sociedade ideias e sugestões sobre essa concessão.

    Em setembro, o TCM decidiu suspender o processo, e os nove grupos habilitados não puderam entregar seus estudos. Nós respeitamos a decisão e acreditamos que ela tenha sido relevante para o amadurecimento do projeto.

    O diálogo com o órgão foi aberto, respondemos a todos os questionamentos e o resultado chegou agora: o processo foi liberado no último dia 19 de abril e daremos prosseguimento.

    Queremos que os contratempos que os munícipes enfrentam no presente para realizar um sepultamento sejam eliminados. A concessão é a alternativa para termos um futuro com o nível de serviço que os paulistanos merecem.

    Toda discussão é bem-vinda, mas não podemos deixar que uma minoria escandalosa decida pela maioria silenciosa. 
    Wilson Poit
    É secretário municipal de Desestatização e Parcerias; foi empresário, conselheiro de empresas, empreendedor Endeavor e recebeu, em 2009, o prêmio "Empreendedor do Ano" (Ernst & Young)

    quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

    Grupo que abriu caixão por achar que mulher foi enterrada viva deve responder por violação funerária, diz polícia

    Caso ocorreu no município de Riachão das Neves, no oeste do estado. Polícia acredita que boatos levaram à violação da urna funerária.

    As pessoas que abriram o túmulo de uma mulher mais de 10 dias após o sepultamento, por acreditarem que ela tinha sido enterrada viva, devem responder por violação de urna funerária, crime que está previsto no artigo 210 do Código Penal, com pena de reclusão de um a três anos. O caso ocorreu no município de Riachão das Neves, no oeste do estado.
    A informação foi passada ao G1 na manhã desta quinta-feira (15) pelo delegado Antistenes Benvindo, que atua como plantonista regional da delegacia de Barreiras, também no oeste do estado, e que fez o registro do caso. Ele diz que as investigações preliminares apontam que a situação relatada pelos familiares não se sustenta em nenhum indício plausível.
    O delegado da cidade de Riachão das Neves, Arnaldo Alves, que assumiu a apuração do caso após registro inicial da delegacia de Barreiras, também contou à reportagem que as informações que levaram familiares a violarem o túmulo não passaram de "boatos".
    Rosângela Almeida dos Santos, de 37 anos, estava internada no Hospital do Oeste, em Barreiras, com um quadro de infecção respiratória. No dia 28 de janeiro, ela teve o falecimento atestado pela unidade médica após um quadro de choque séptico, quando a infecção se alastra pelo corpo afetando vários órgãos.
    No dia seguinte, ela foi sepultada em Riachão das Neves. Onze dias depois do enterro, por acreditar que a mulher tinha sido enterrada viva, um grupo abriu o caixão que tinha sido depositado em uma urna funerária.

    Investigações
    Segundo o delegado Antistenes Benvindo, a mãe da vítima estaria sonhando há dias que a filha estava viva. Após a informação de uma moradora, de que teria ouvido gritos de dentro da sepultura, familiares decidiram violar o caixão.
    Em entrevista à TV Oeste, afiliada da Rede Bahia, a mãe de Rosângela Almeida disse que o corpo dela foi encontrado revirado no túmulo, com ferimentos nas mãos e testa, como se tivesse tentado sair do caixão.
    "Até aqueles preguinhos que estavam em cima estavam soltos. A mãozinha tava ferida, como quem estava arrumando, assim, arrumando o caixão para sair", disse Germana de Almeida.

    Benvindo, entretanto, disse que as informações não se confirmam. "Ela [a vítma] estava do mesmo jeito, intacta. O irmão dela mesmo disse". O delegado também contou que as informações sobre ferimentos nas mãos e na testa não são verídicas.
    Sobre o relato de que o corpo da vítima estava conservado, a polícia disse que informações médicas relatam que o uso de antibióticos durante o internamento e o tempo chuvoso favoreceram uma decomposição mais lenta.
    O delegado também conta que a mulher foi sepultada mais de 20 horas após o óbito e que, durante todo o processo, que envolveu preparação do corpo para enterro e velório não houve um sinal de vida.
    Uma perícia foi feita no túmulo, onde o corpo foi recolocado, e um laudo deve esclarecer a situação. O prazo para divulgação do documento não foi divulgado. Segundo o delegado de Riachão das Neves, que assumiu as investigações, todos os envolvidos no caso devem ser ouvidos a partir desta quinta-feira.

    Lei regulamenta o sepultamento de animais domésticos em cemitérios de Florianópolis


    O enterro ou descarte do corpo dos bichinhos em local inadequado pode trazer prejuízos para o meio ambiente

    Uma lei municipal regulamentou o enterro de animais domésticos em cemitérios privados e públicos de Florianópolis, que é a primeira cidade do país a permitir este tipo de sepultamento. Segundo o decreto publicado no Diário Oficial do município, uma das regras é que o dono do animal já possua um jazigo, nos cemitérios públicos, devido a falta de vagas. A taxa para o sepultamento de animais nos cemitérios administrados pela prefeitura é de R$45,50.

    O chefe da divisão do cemitério do Itacorubi, Alexandre Magno, explicou que o dono do animal deve ir até a Central de Óbitos municipal portando uma declaração de óbito emitida por um veterinário registrado nos órgãos competentes para obter a guia de sepultamento e, só então, ir até o cemitério. “A partir do momento que a pessoa vai até o cemitério, é emitida a taxa de sepultamento. Após a comprovação de pagamento, ela indica o jazigo e nós abrimos as sepulturas, se elas estiverem de acordo e dentro do prazo para poder ser efetuada a abertura, e fazemos o sepultamento”, disse ele.

    “Isso vai ter um período de adaptação, porque nem todas as pessoas já têm um jazigo. Mas eu acredito que todas as alternativas que estão criando agora vai melhorar bastante não só para os ativistas, para as pessoas que tem os seus animais, mas para a sociedade como um todo” falou Halem Guerra, presidente do instituto ambiental Ecosul. O enterro de animais de estimação no quintal de casa ou descarte do corpo em local inadequado pode contaminar o lençol freático.

    Roberta Maas, da Associação Catarinense dos Engenheiros Sanitaristas, contou que durante o primeiro ano de sepultamento, o corpo gera o necrochorume, que é altamente tóxico. “É um material viscoso que produz muita putrescina cadaverina. Nesse material também está o que provavelmente causou a morte do bichinho, que pode voltar para o meio ambiente e gerar doenças infectocontagiosas para o ser humano e também para os animais e para as plantas”, explicou Roberta.

    A lei proíbe o enterro de animais com suspeita ou confirmação de doenças transmissíveis ao ser humano. Para ser sepultado o animal deve ser colocado em uma embalagem de material neutro, resistente a danos químicos e que permita o escape de gases e a retenção de líquidos produzidos pela decomposição.

    Falta de manutenção atrapalha quem vai visitar túmulos em cemitério de Florianópolis


    O mato alto e a falta de manutenção do cemitério São Francisco de Assis, o maior de Florianópolis, localizado no bairro Itacorubi, são alvo de reclamação de quem vai visitar os túmulos de familiares e amigos no local. Em março do ano passado, a prefeitura firmou um convênio com o governo do Estado para que detentos do regime semiaberto realizassem a limpeza da área, mas eles só trabalharam lá durante um dia. Cada preso receberia pelo serviço um salário mínimo e teria um dia reduzido da pena.

    Elizabeth Nunes da Silva, operadora de caixa, esteve no cemitério visitando o túmulo de uma amiga e ficou indignada com a falta de cuidados com o local. “Não tem nem como acender uma vela. Eu vim aqui na sepultura da minha amiga e não teve como. Eu tive que arrancar o mato com a mão para poder acender uma vela”, reclamou ela, que se perguntava onde estavam os detentos que iriam cuidar do cemitério.
    Outra pessoa que ficou bastante incomodada com a situação foi Adriana Maria Fernandes, atendente de farmácia, que sepultou a mãe no início desta semana e escorregou quando foi visitar o túmulo de seu pai. Ela voltou no dia seguinte com uma enxada para tentar tirar um pouco do mato que estava no caminho para as sepulturas. “Não é frescura. Não tem mesmo condições. Eu já rasguei várias luvas aqui tentando fazer o trabalho. Estou desanimada e vou voltar outro dia para tentar limpar isso aqui, porque hoje realmente eu não consegui”, contou Adriana.
    No meio do mato que tomou conta da maior parte do cemitério, é possível encontrar cobras e caramujos africanos. Além disso, alguns dos vasos de flores que ficam em cima de túmulos estão cheios de água, se tornando focos de criação do Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue e da febre chikungunya.

    A secretaria de Serviços Públicos da prefeitura municipal informou que o convênio com o governo do Estado continua ativo. Porém, os detentos que deveriam trabalhar no cemitério do Itacorubi foram realocados para outras áreas da cidade em função da chuva que atingiu Florianópolis em janeiro. Na tarde desta quarta-feira, foi realizada uma reunião com a prefeitura e a Comcap para estabelecer um cronograma permanente de limpeza do cemitério, que provavelmente irá ficar sob a responsabilidade da autarquia.
    A prefeitura também explicou que a mão de obra carcerária para fazer a manutenção e a limpeza dos cemitérios públicos de Florianópolis custa cinco vezes menos que a contratação de uma empresa terceirizada. Cada detento receberia um salário mínimo e teria reduzido um dia da pena pelo serviço.


    Mato alto prejudica a visita de moradores em um dos cemitérios da Capital - RICTV Record/Reprodução/ND
    Mato alto prejudica a visita de moradores em um dos cemitérios da Capital - RICTV Record/Reprodução/ND



    Cobras e caramujos também podem ser encontrados pelo cemitério - RICTV Record/Reprodução/ND
    Cobras e caramujos também podem ser encontrados pelo cemitério - RICTV Record/Reprodução/ND



    Confira a reportagem do Balanço Geral Florianópolis: