quarta-feira, 2 de maio de 2018

A cidade de São Paulo deve privatizar seus cemitérios? NÃO

No Dia de Finados, visitante observa jazigo do ex-presidente Campos Sales no cemitério da Consolação, em São Paulo
Simão Pedro
O agora ex-prefeito João Doria (PSDB) chamou a privatização do Serviço Funerário Municipal de "a joia da coroa" das entregas que pretendia realizar na capital, proposta lamentavelmente autorizada há alguns dias pelo Tribunal de Contas do Município.

Ele usou até um termo pejorativo para se referir às 220 mortes que, em média, ocorrem diariamente na cidade: "indústria da morte", alvo de cobiça do setor privado.

O Serviço Funerário Municipal (SFM) é um monopólio do município e assim foi pensado porque a morte é um momento de dor para as famílias, em que o amparo do Estado é fundamental.

Doria ignorou que é dos registros do SFM que saem as políticas de vigilância epidemiológica, informações sobre causa das mortes e estatísticas de violência, dados que precisam estar sob o controle público --além disso, os cemitérios são espaços de cultivo da história e cultura.

O SFM é o responsável pela gestão de um crematório, 15 agências, 118 salas de velórios e 22 cemitérios. Quando assumimos a gestão, em 2013, estava desmantelado e com déficit de R$ 18 milhões.

O quadro era produto do sucateamento programado pela gestão Serra/Kassab (2005-2012) para justificar e fazer a população aceitar a ideia de uma privatização, como agora.

O tempo de espera entre o momento da compra do serviço e a chegada do corpo para ser velado demorava em média absurdas 8 horas; velórios e crematório estavam sucateados; não havia logística racional de transporte; os preços dos serviços estavam defasados; "papa-defuntos' (agentes privados de fora) agiam clandestinamente; funcionários com baixos salários e baixa autoestima; sepultadores usando métodos antigos; contratos caros de fornecedores; e a corrupção corria à solta.

Para enfrentar a situação, reajustamos os salários dos que ganhavam menos; atualizamos as taxas; realizamos pregões eletrônicos e baixamos custos; mudamos a logística e descentralizamos o atendimento; contratamos novos carros; e reformamos o crematório para funcionar de 12 para 24 horas.

Por meio de emendas, reformamos os velórios e agências. Abrimos duas novas no IML central e no SVO (Serviço de Verificação de Óbitos) para combater os "papa-defuntos"; realizamos concurso público e compramos escavadeiras para os sepultadores. No combate a furtos, ampliamos, com a Guarda Municipal, a vigilância 24 horas dos cemitérios Consolação, Araçá e São Paulo; colocamos iluminação nos cemitérios São Pedro, Vila Formosa, Consolação, Araçá e no crematório da Vila Alpina; e devolvemos o serviço de recolha de corpos para o Estado. 

Resultado: melhoramos os serviços prestados e diminuímos o tempo de espera de 8 horas para 1 hora e meia. Em 2016, o SFM tornou-se superavitário em mais de R$ 3 milhões, como reconheceu o TCM.

Na parte da valorização da memória, estabelecemos com a PUC-SP um programa de materiais pedagógicos; aulas para docentes da rede municipal; levantamento e conservação da arte tumular; desenvolvimento de site e aplicativo para visitas autoguiadas.

Foram oferecidas atividades de música, cinema e teatro; palestras sobre o luto infantil e parental. O SFM recebeu o Prêmio "Experiência Destacada" da Associação Internacional de Cidades Educadoras pelo programa "Memória e Vida", que sintetizou a ocupação cidadã dos cemitérios.

A privatização dos serviços funerários não significa melhoras. Existem vários exemplos de onde piorou e encareceu para os cidadãos. Vamos ficar nas mãos dos "papa-defuntos"?

Os problemas que ainda persistem devem ser superados e não usados como desculpas para a privatização. A morte como objeto de lucro representa degradação moral e é contrária aos anseios de uma cidade melhor e mais humana. 
Simão Pedro
Sociólogo, ex-deputado estadual em São Paulo pelo PT (2003-2013), foi secretário de Serviços da Prefeitura de São Paulo (2013-2016, gestão Haddad)

    A cidade de São Paulo deve privatizar seus cemitérios. SIM

    Túmulos furtados no cemitério da Consolação, no centro de São Paulo
    Como bem informou esta Folha em reportagem publicada em 26/6/2017: "Enterro tem via-crúcis com assédio, desinformação e constrangimento". Essa é a saga de quem busca o serviço funerário ou os cemitérios públicos da cidade de São Paulo.
     
    Apesar de ser um serviço superavitário, os problemas e a ineficiência vêm de longa data, e desde o início desta gestão, decidimos enfrentá-los, propondo uma solução: a concessão do crematório e dos cemitérios municipais.

    A prefeitura possui aproximadamente 350 mil jazigos públicos, realiza mais de 45 mil sepultamentos e 10 mil cremações por ano na cidade. Tais números fazem da autarquia municipal uma das maiores prestadoras desses serviços no mundo, um raro caso de cidade onde o setor privado tem atuação limitada.

    Não são poucos os casos de furtos e invasões em jazigos, má conservação e falta de manutenção. É triste, e o momento da morte em São Paulo precisa de mais dignidade. Hoje, o serviço custa caro e é ruim, bem diferente de outros lugares do mundo.

    Apesar do grande esforço do Serviço Funerário Municipal, responsável pela administração dos equipamentos, a qualidade está longe da ideal.
    Com a concessão, o setor privado poderá realizar investimentos para melhorar o atendimento à população, tendo em vista que a administração municipal não dispõe desses recursos.

    A concessão prevê uma série de diretrizes que vão modernizar o serviço público. O parceiro privado deverá manter as gratuidades aos mais pobres, garantir a segurança e melhorar a infraestrutura dos cemitérios.

    Nos cemitérios-parque, principalmente, a troca das chamadas "quadras-gerais" —onde os caixões são enterrados direto na terra— por gavetas de alvenaria fará com que o espaço seja otimizado e a contaminação ambiental controlada.

    Além disso, novos crematórios serão construídos para atender à demanda dos paulistanos, que segue uma tendência mundial.

    Essas modernizações imprescindíveis têm custo, obviamente. Acreditamos que a melhoria na gestão e a otimização dos recursos já pagos pelos cidadãos serão o principal mecanismo de financiamento de tais ações. Não vamos propor nada diferente do que já ocorre hoje.

    No entanto, há uma distorção na atual forma de arrecadação: os cemitérios onde há jazigos concedidos perpetuamente, em geral para famílias ricas, são subsidiados por aqueles com covas alugadas por um período de três anos, principalmente para pobres.

    Por essa razão, tarifas de manutenção, cobradas nos cemitérios particulares da cidade, estão sendo estudadas.

    Também é importante ressaltar o papel do Tribunal de Contas do Município (TCM) no processo. Em junho do ano passado, lançamos um Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) para ouvir da sociedade ideias e sugestões sobre essa concessão.

    Em setembro, o TCM decidiu suspender o processo, e os nove grupos habilitados não puderam entregar seus estudos. Nós respeitamos a decisão e acreditamos que ela tenha sido relevante para o amadurecimento do projeto.

    O diálogo com o órgão foi aberto, respondemos a todos os questionamentos e o resultado chegou agora: o processo foi liberado no último dia 19 de abril e daremos prosseguimento.

    Queremos que os contratempos que os munícipes enfrentam no presente para realizar um sepultamento sejam eliminados. A concessão é a alternativa para termos um futuro com o nível de serviço que os paulistanos merecem.

    Toda discussão é bem-vinda, mas não podemos deixar que uma minoria escandalosa decida pela maioria silenciosa. 
    Wilson Poit
    É secretário municipal de Desestatização e Parcerias; foi empresário, conselheiro de empresas, empreendedor Endeavor e recebeu, em 2009, o prêmio "Empreendedor do Ano" (Ernst & Young)