Coveiro usa cemitério para treinar Karatê e prova que praticar esporte pode ser uma forma de viver em harmonia.
Existem
pessoas que tem um verdadeiro pavor de cemitérios e não entram vivos
nestes locais de maneira alguma. Talvez por associar o ambiente à
morbidez, despedidas e a eterna saudade de entes queridos. Há ainda quem
evite passar próximo a uma “cidade dos pés juntos”, simplesmente pelo
temor de ser “perseguido” por alguma alma penada, morto vivo, ou lenda
semelhante. Mas, cemitério não é apenas local de tristeza ou luto.
Cidades como Paris e Buenos Aires tratam suas necrópoles como “museus a
céu aberto”, promovendo visitas guiadas para contar a história através
das lápides que ali se encontram.
Em
Manaus, um senhor de 62 vem dando um “ar diferente” ao Cemitério Parque
Manaus, localizado no bairro do Tarumã, Zona Oeste. Por incrível que
pareça, o esporte vem tomando conta do local.
Valdemar
Ribeiro Souza deixa sua casa na Colônia Santo Antônio dirigindo sua
motocicleta e geralmente chega no cemitério Parque Manaus antes de o dia
amanhecer. Lá, ele vira um “profissional de sepultamento” fazendo os
trabalhos de coveiro e de jardinagem. Quando o expediente termina, às 17
horas, “seu” Valdemar troca a farda pelo quimono e coloca em prática
sua segunda paixão: O Karatê interestilos.
Praticante
desde os 11 anos de idade, o coveiro é faixa-preta na arte marcial. No
último mês de novembro, Valdemar conquistou duas medalhas no Campeonato
Brasileiro Educacional de Karatê, realizado no Pará. Um ouro no Kata
(simulação de luta com várias aplicações práticas) e uma prata no kumite
(a luta propriamente dita).
Natural
de Araguaína, Goiás, ele chegou em Manaus há 25 anos. Valdemar costuma
utilizar o amplo espaço do Parque Manaus para complementar seus
treinamentos que às vezes ocorrem antes, ou depois do serviço.
“Minha
segunda casa é aqui no cemitério. Eu chego às 4h, 5h da manhã e treino
aqui mesmo. Dou uma corrida e faço os movimentos antes de o trabalho
começar”, revela Valdemar, que também treina na Associação Budokam
Shotokan Karatê, no São Jorge.
A empresa que administra o cemitério lhe dá uma ajuda de custo nas competições.
Medo de quem?
No
ano 2000, Valdemar largou o emprego em uma empresa de segurança para
trabalhar no cemitério. No começo, ele fazia apenas serviços de
jardinagem nos túmulos do Tarumã. Há cinco anos ele adicionou o serviço
de coveiro a seu portifólio. A paz e o respeito que o local transmite
foram fundamentais para a escolha. E ele faz questão de divulgar a
ocupação. “Tenho orgulho da minha profissão. Fiz muitos amigos aqui.
Quando chego em casa, dá vontade de voltar pro cemitério de novo. Aqui é
um clima de paz e tranquilidade o tempo inteiro”.
Nem
mesmo a possibilidade de alguma “entidade do além” cruzar seu caminho
durante os treinamentos assusta. “Aqui não tem esse negócio de alma
penada não (risos). Às vezes brinco dizendo que escuto uma voz gritando
Valdemar. Mas é tudo brincadeira. O que existe aqui é muita paz”,
conta. O Campeão Brasileiro dá aulas gratuitas em sua casa para 12
alunos, todos vivos, é claro. “Gostaria de ter um espaço maior e apoio
para trabalhar o karatê com jovens”.