sábado, 3 de novembro de 2012

Cerca de 75% dos cemitérios públicos do país têm problemas sanitários

Pouco mais de sete em cada dez cemitérios públicos brasileiros têm problemas de ordem ambiental e sanitária, de acordo com estudo do geólogo e mestre em engenharia sanitária Lezíro Marques Silva. O levantamento, concluído em 2011, reuniu dados de mais de mil cemitérios do país, entre públicos e privados. O pesquisador, que é professor da Universidade São Judas, explica que os problemas começam na superfície com a proliferação de animais vetores de doenças e continuam no subsolo com a contaminação do lençol freático.
“Se o necrochorume escapa do túmulo, ele pode entrar em contato com o lençol freático, criando uma mancha de poluição que atinge quilômetros de distância a ponto de contaminar poços e rios”, explica o geólogo. O necrochorume é um líquido formado durante a decomposição de cadáveres enterrados, similar ao gerado pelos resíduos sólidos em aterros sanitários. “Ele é rico em substâncias tóxicas como putrecina, cadaverina e alguns metais pesados”, explica.
Lezíro Marques informou ainda que a contaminação do lençol freático ocorre em quase a totalidade dos cemitérios públicos com problemas ambientais e sanitários. Ele destaca que a saturação desses equipamentos públicos agravam ainda mais os prejuízos provocados por essas condições. “Com o esgotamento da capacidade de sepultamento, o que sobra são terrenos do ponto de vista geológico inadequados, como lençol freático raso, área de várzea e morro”, critica.
O professor Walter Malagutti, do Departamento de Geologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), que também desenvolve pesquisa na área, explica que não havia a preocupação de observar os critérios geológicos para construção de cemitérios. “Pode ocorrer de alguns terem sido implantados em locais inadequados. Muitos estão em áreas nobres, como as regiões centrais.”
Ele avalia que o ideal seria considerar os mesmos critérios dos aterros sanitários, como lençol freático mais profundo possível, rocha impermeável e distância dos centros urbanos, para construção de cemitérios.
Walter Malagutti explica ainda que os cemitérios são fonte renovável de contaminação, pois, diferentemente dos aterros, eles não costumam ser desativados. “Pela legislação brasileira, depois de 5 anos a 7 anos, quando ficam só ossos, eles são removidos e colocados outro corpo no local”, relata. Segundo o professor da Unesp, um diagnóstico ambiental dos locais de enterro já existentes e a observação de critérios geológicos para a implantação de novos cemitérios são algumas medidas para amenizar a situação.
Já a pesquisa desenvolvida por Lezíro Marques resultou no desenvolvimento de substâncias capazes de neutralizar o necrochorume, reduzindo o nível de contaminação. “A grande meta é não permitir que o líquido extravase”, destacou. Para tanto, foi criada uma espécie de colchão a ser colocado na sepultura, o qual possui um líquido que elimina os efeitos dos poluentes. Uma ação semelhante é conseguida por uma substância que lava o subsolo retirando o necrochorume. “Tem solução, mas pouco é feito”, avalia.
O geólogo destaca ainda a necessidade de uma legislação mais específica, que oriente a construção de lajes de contenção e obrigue uso de substâncias neutralizadoras do necrochorume.
Os pesquisadores concordam que a cremação seria a solução mais adequada para a preservação do meio físico. Eles avaliam, no entanto, que a questão cultural é o principal empecilho para o uso da técnica. “A cremação é muito incipiente no Brasil. E isso não tem a ver diretamente com o custo. Enquanto se paga entre R$ 350 e R$ 400 para cremar um corpo, o enterro mais simples custo no mínimo R$ 2 mil. É uma questão cultural”, avalia Lezíro.

RJ: irregularidades ambientais em cemitérios colocam saúde em risco

Resíduos de cadáveres jogados diretamente em lençóis freáticos, despejo de ossadas a céu aberto, covas rasas localizadas em um morro vizinho a residências e até um incinerador de ossos funcionando sem licença ambiental. Esses são alguns problemas encontrados pelas recentes vistorias realizadas pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea), em cemitérios da região metropolitana do Rio de Janeiro.
Segundo o coordenador de Combate a Crimes Ambientais do Rio de Janeiro, José Maurício Padrone, a situação dos cemitérios da região é "terrível" e coloca em risco o meio ambiente e a saúde da população. "Os cemitérios nunca haviam sido fiscalizados. Então, a gente começou a fiscalizar e verificou muitos erros nesses cemitérios. O descarte inadequado (dos corpos e resíduos) pode colocar em risco a saúde da população, porque o necrochorume (líquido que sai do corpo) pode contaminar o solo", disse.
As autoridades ambientais começaram a fiscalizar os cemitérios fluminenses em julho deste ano, com vistorias em três unidades de Duque de Caxias: Nossa Senhora de Belém, Tanque do Anil e Xerém. No primeiro cemitério, por exemplo, uma área foi interditada porque estava sujeita a inundações. Na sala usada para a limpeza e preparação de corpos para o funeral, o material era descartado diretamente no ralo e, consequentemente, no sistema de águas pluviais.
Em Xerém, localizado em um morro, segundo Padrone, foi constatado que crânios enterrados em covas rasas acabavam sendo desenterrados e rolavam para as casas localizadas na parte de baixo.
O secretário municipal de Meio Ambiente de Duque de Caxias, Samuel Maia, disse que, se o Inea fizer vistorias em todo o Estado, vai encontrar irregularidades nos cemitérios dos 92 municípios fluminenses."A grande maioria dos cemitérios tem mais de 50 anos. Na visão cristã, você coloca o corpo embaixo da terra e ele se decompõe. Há uma quantidade enorme de líquido que sai dali, o necrochorume. E aquilo vai para o lençol freático. E geralmente os cemitérios eram feitos em locais inapropriados, próximos a locais de residências", disse.
Quanto ao descarte inadequado de corpos, Maia diz que, muitas vezes, isso é provocado por ladrões de túmulos, que arrombam o local para roubar pertences e depois descartam os cadáveres de qualquer jeito. Além disso, segundo ele, algumas empresas particulares que administram cemitérios exumam corpos e os descartam de qualquer jeito para abrir espaço para novas vagas.
Maia conta que, no ano passado, agentes da prefeitura de Duque de Caxias interceptaram um caminhão com ossos humanos, oriundos de um cemitério do Rio de Janeiro, para serem jogados em um terreno baldio da zona industrial do município. Em setembro, as autoridades ambientais do Estado fizeram nova fiscalização, desta vez no Cemitério São Francisco Xavier, no Caju, um dos principais da cidade do Rio de Janeiro, e no crematório que funciona no local.
Inúmeras irregularidades foram encontradas, como despejo de ossada de forma ilegal, armazenamento irregular no ossuário com indícios de produção de necrochorume despejado nas águas pluviais e indícios de exumação de corpos com menos de três anos para queima. O incinerador foi lacrado porque não tinha licença ambiental para funcionar. Dois administradores do cemitério foram presos.
Segundo Padrone, as fiscalizações em cemitérios do Rio de Janeiro vão continuar porque há uma preocupação com a situação em que estão essas instalações. A Santa Casa de Misericórdia, responsável pela administração do cemitério, informou que já entregou à Secretaria do Meio Ambiente toda a documentação necessária para a retomada das atividades do incinerador, onde são cremados os ossos de corpos enterrados há mais de três anos que não são exumados a pedido da família dentro do prazo de três anos e um mês.