quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Auditoria comprova caos no IML do Paraná

 
Instalações precárias, falta de pessoal e até a presença de gatos e insetos em IMLs foram constatadas em inspeções do Tribunal de Contas do Estado
A situação do Instituto Mé­dico Legal (IML) do Paraná é de quase morte. É o que revela o relatório final da auditoria feita em todas as 19 unidades do IML 18 pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) no segundo semestre de 2011. As inspeções constataram falhas na administração do órgão, falta de materiais básicos e péssimas condições de trabalho, além de uma estrutura física e de apoio deficitária. Uma série de 43 recomendações foi repassada à Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp), responsável pelo IML, que deverá entregar ao TCE um plano de ação com base nas obervações em até 60 dias.
 
Sem verba
 
Os motivos da precária situação do IML foram explicitados na análise do órgão fiscalizador. A falta de planejamento e de investimento, e a baixa execução orçamentária estão entre as principais razões. Entre 2008 e 2011, o instituto recebeu verba de investimento (que exclui gastos de custeio) apenas em 2010 (veja infográfico). O TCE considera investimento despesas com planejamento e execução de obras, e aquisição de imóveis, equipamentos e material permanente. No ano passado, embora tenha ocorrido um aumento considerável no orçamento do IML, houve também a mais baixa execução orçamentária do quadriênio analisado pelo órgão. De R$ 58,3 milhões orçados, foram gastos apenas R$ 19,5 milhões (38,6%).
De acordo com o relatório, 91,4% do montante orçado é para gasto com pessoal. Em uma investida do governo do estado para sanar o problema de falta de médicos legistas e auxiliares de necropsia houve uma contratação por meio do processo seletivo simplificado (PSS), o que elevou em quase 150% a despesa com pessoal.
Tatianna afirma que o quadro ainda é problemático, mas foi amenizado pelo PSS. “Sem essa contratação, muitas unidades do interior não teriam condições de funcionar”, diz. Há atualmente 437 funcionários nos IMLs do estado – 178 só na unidade de Curitiba.
Nas vistorias, o TCE percebeu a falta de servidores no interior, mas não conseguiu concluir se, de fato, esse é um obstáculo fundamental para melhoria dos serviços porque, em pesquisa feita pelo tribunal, cerca de 60% dos funcionários responderam que estavam satisfeitos com a carga de trabalho.
 
Só uma unidade tem alvará dos bombeiros
 
Um dos maiores problemas apontados pela auditoria do TCE é a falta de alvará do Corpo de Bombeiros para o funcionamento em 17 das 18 unidades do IML no estado. Apenas o instituto de Maringá – considerado um dos postos em pior situação, ao lado de Paranaguá e União da Vitória – tem a licença dos bombeiros. Ironicamente, de 2008 até o final de 2010, um coronel do Corpo de Bombeiros foi designado interventor do IML nos governos Roberto Requião e Orlando Pessuti.
Esse alvará é uma garantia à população e aos funcionários do órgão de que o local é seguro contra incêndio, tendo equipamentos e instalações adequadas para possíveis emergências. A situação de risco é agravada pelas condições precárias dos sistemas elétricos na maioria das unidades e pelo constante uso de produtos químicos inflamáveis nos serviços prestados pelo IML.
Na sede em Curitiba, exemplifica o relatório, a cobertura de concreto do portão principal de entrada é tão baixa que impede o ingresso de veículos mais altos, como o do Corpo de Bombeiros, em caso de incêndio.
Outro lado
 
Governo diz que melhorias já foram implantadas em
 
Curitiba e interior
 
A Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp) informou, por meio de nota, que vai entregar o plano de ação do IML recomendado pelo TCE no prazo estipulado. De acordo com a pasta, diversas providências já começaram a ser tomadas e outras foram resolvidas antes mesmo das observações do tribunal. Segundo a assessoria de imprensa da Sesp, projetos para construção de novos prédios do IML estão em desenvolvimento em Curitiba, Londrina, Maringá e Paranaguá. “Desde o ano passado, diversas melhorias foram implantadas pela secretaria para garantir melhores condições de trabalho para os funcionários e para o atendimento aos cidadãos no IML de Curitiba e do interior”, diz a nota.
Ainda segundo a secretaria, na capital não existe mais acúmulo de corpos não identificados aguardando sepultamento; as câmaras frias (que estavam quebradas) foram recuperadas; e a área de radiologia (cuja sala não vedava a radiação) foi reformada. “Para os servidores que trabalham no setor, foram comprados equipamentos de proteção individual (EPIs) apropriados para a execução do trabalho e um laudo constatou que o aparelho de intensificador de imagens está em plenas condições de utilização”, explica.
 
Cromatógrafo
 
Além disso, a assessoria informa que foi comprado um novo cromatógrafo – equipamento que detecta substâncias ilícitas no sangue e no tecido do corpo – e o antigo aparelho foi consertado. O IML também já tem 25 veículos adaptados para o transporte de cadáveres nas 18 unidades do estado. A secretaria lembra também que está elaborando um projeto de lei para o ingresso de mais servidores por meio de concurso público, mas o próprio TCE emitiu um alerta sobre o limite de gastos com pessoal.

 
O que faz o IML?
Faz perícias médico-legais em cadáveres, ossadas e pessoas vivas. Também faz exames nas áreas de anatomia patológica, toxicologia, química legal e sexologia forense.
Destaques
A auditoria do Tribunal de Contas do Estado encontrou muitos problemas nos IMLs do Paraná, mas também destaca aspectos positivos. Acompanhe:
Pontos negativos
- Baixa execução orçamentária e quase nenhum investimento no IML;
- Não há planejamento estratégico;
- As instalações físicas das unidades do IML são, via de regra, precárias;
- 40% das clínicas médicas dos IMLs não têm pias funcionando e 60% não contam com sanitários próprios;
- Dezessete das 18 unidades do IML não têm alvará do Corpo de Bombeiros e nenhuma possui licença da Vigilância Sanitária;
- O preparo das ossadas (na área de antropologia forense) é feito ao ar livre, em Curitiba (única sede que faz a análise no Paraná), motivo das reclamações do mau cheiro;
- O laboratório de Química Legal e Toxicologia, em Curitiba (única sede que faz a análise), apresenta péssima estrutura elétrica, iluminação e arejamento, sem local para guardar produtos inflamáveis;
- Na clínica odontológica em Curitiba (única sede que faz a análise) foi observada a presença de mofo, instalação elétrica precária e arejamento insuficiente, com um vaso sanitário no meio da sala que exala mau cheiro;
- Não há ambientes específico e adequado para reconhecimento de vítimas por família em Curitiba e em quase todo interior do estado;
- A blindagem da sala de radiologia não está adequada, pois existem janelas abertas em Curitiba;
- Somente oito unidades do interior contam com sala de repouso para plantonistas;
- A maior parte das unidades não está preparada para receber pessoas portadoras de necessidades especiais;
- Não há serviço de vigilância ou segurança na maioria das sedes;
- Recursos materiais insuficientes;
- Apenas Curitiba, Paranavaí e Toledo dispõem da sala de raio-X;
- Proteção da integridade dos vestígios do crime até o julgamento final do caso perante o poder Judiciário não é realizado de forma adequada.
Pontos positivos
- A Secretaria da Segurança Pública elencou prioridades que, segundo o TCE, não é um plano de ação, mas um ponto positivo que apresenta certa diretriz para a administração do IML;
- A maior parte dos imóveis onde estão instaladas as unidades do IML é próprio;
- A maioria das clínicas médicas dos IMLs do Paraná conta com privacidade auditiva e visual, iluminação e arejamento adequados;
- As salas de necropsia apresentaram boa adequabilidade da iluminação, do arejamento e do sistema de drenagem, além de possuírem pias com água corrente, pisos e paredes laváveis;
- A frota melhorou após aluguel de carros realizado pelo governo estadual no ano passado;
- O atendimento às vítimas de violência sexual tem uma prática considerada muito boa;
- Foram adotadas recentemente medidas de proteção à segurança e à saúde dos trabalhadores;
- Em novembro do ano passado foi finalizado um manual de biossegurança para garantir a segurança dos trabalhadores;
- Há também um plano elaborado para descarte correto de resíduos sólidos.
 
Comissão da OAB-PR comemora relatório, mas cobra providências
 
A Comissão de Direitos Humanos da OAB-PR considerou a entrega do relatório final do TCE uma conquista. “Mas ainda não é uma vitória porque o governo do estado precisa primeiro responder a esses problemas. Esse relatório significa que as autoridades estão tomando ciência da situação do IML”, ressaltou a vice-presidente da comissão, Isabel Kugler Mendes.
A advogada criminalista Elisabete Subtil de Oliveira, também integrante da comissão da OAB-PR, lembrou que fazer do Instituto Médico Legal um órgão capaz de prestar um bom serviço é fundamental, por exemplo, para a evolução da qualidade das investigações policiais. “Ter um IML mais eficaz é não ter risco de qualquer acusado de crime alegar nulidade no processo por deficiência em exames”, explicou. (DR)
 
A equipe do tribunal verificou pessoalmente problemas quase sempre encobertos e que chegavam ao conhecimento do público por meio de denúncias de funcionários, da imprensa e, principalmente, da Comissão de Direitos Humanos da seção paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR). “[A situação estrutural] é caótica. São anos de falta de investimento. Não é um problema do governo atual apenas”, afirmou Tatianna Bove Iatauro, responsável do TCE pelas vistorias no IML. Falta de higiene e de descarte adequado de resíduos sólidos foram outros problemas descobertos pelas inspeções. “A improvisação é grande. Muita chave de fenda, facão enferrujado, colocando em risco saúde dos funcionários.”
 
No IML de Maringá (Noro­este do estado), por exemplo, a equipe chegou a flagrar gatos morando dentro das salas da unidade, com portes de ração e água pelo chão. “Houve também situações em que se percebeu a presença de insetos rastejantes, como formigas e até baratas”, informa o relatório. Em Paranaguá (Litoral), a área entre o IML e a delegacia local era usada para conta­­to entre presos e pessoas que circulavam livremente no terreno.