Quadra 54, sepultura 17, Cemitério da Consolação: montinhos de areia indicam
o lugar em que estavam até quarta passada dois vasos de bronze, 40 kg cada. A
poucos passos, no túmulo da família Margutti, um buraco marca a ausência do
portão, furtado de quarta para quinta. Atrás, a planta jogada ao chão denuncia
outro vaso levado na mesma noite.
Apesar de comuns há pelo menos um ano, os furtos de portões, vasos,
jardineiras, placas, alças e até bustos do único cemitério municipal tombado na
cidade explodiram neste mês de setembro. Quem diz isso são as pessoas que mais
convivem com aquelas peças: os funcionários do cemitério e autônomos contratados
pelas famílias para fazer a manutenção diária dos jazigos. Oito deles falaram em
furtos de mais de 300 peças neste mês.
"Está fora de controle, desta magnitude nunca vi", diz Fernando Pinheiro, 34,
que limpa túmulos há dez anos.
Os furtos ocorrem mesmo à luz do dia. A última prisão em flagrante foi na
manhã de quinta, mesmo dia em que sete vasos amanheceram encostados num muro da
rua Mato Grosso, como que à espera de um carregador. Segundo um sepultador, há
poucos dias um carro encostou na rua da Consolação, às 18h, e dois homens
passaram vasos por cima do muro. Três pontos do arame farpado estão amassados,
mostrando os lugares mais usados como passagem.
Também não é difícil entrar pela porta da frente e se esconder ali: a área
tem 76,3 mil m² e 8.200 túmulos. No mercado de ferro velho, uma peça de bronze é
vendida por cerca de R$ 5 o quilo. De cobre, sobe para R$ 9.
Assim, portões de bronze que pesam em torno de 35 kg rendem R$ 175, pagos à
vista, no comércio de metais. Na madrugada da última quarta, levaram o letreiro
da família Mesquita Campos, que custou R$ 350 a Sidney Campos, 59. Só sobrou
pedra.
"Logo vai ter que ter um guia turístico para mostrar o que foi roubado", ele
ironiza.
Em duas horas de passeio, a Folha não viu nenhum guarda no cemitério, na
última quinta. Também não há câmeras -promessa da prefeitura desde 2008. A
prefeitura diz que o Serviço Funerário "vem intensificando a segurança em todas
as necrópoles", com apoio da Guarda Civil Metropolitana e que houve nove prisões
em flagrante neste ano na Consolação.
Ela diz não saber quantos foram os furtos, mas que a administração do
cemitério não notou aumento recente. Também informou que as famílias pagam pela
concessão do terreno (R$ 3.173/m²) e devem custear a conservação e a segurança,
isentando o Serviço Funerário de "quaisquer responsabilidades administrativa,
civil e criminal" no caso de furtos de materiais de valor.