segunda-feira, 22 de junho de 2015

Atravessadores cobram mais caro por serviço funerário público em SP

Eles agem em funerárias, cemitérios, IML e Serviço de Verificação de Óbito.
Grupo chegou a pedir R$ 3,8 mil por sepultamento que custa R$ 701.

Do G1 São Paulo
Atravessadores tentam ganhar dinheiro oferecendo a quem perdeu parentes ou amigos serviços funerários mais caros e feitos por empresas particulares, como mostrou uma reportagem exclusiva do Jornal Hoje, nesta segunda-feira (21). A ação acontece em agências funerárias municipais, cemitérios, hospitais, tudo com a ajuda de funcionários públicos.
Pessoas que não são funcionárias públicas tomam conta da entrada do Instituto Médico-Legal (IML) Central e do Serviço de Verificação de Óbitos da capital. No IML não deixam entrar sem antes falar com eles. “A gente orienta a senhora qual prédio que é. Já passo para a senhora direitinho o que a senhora tem que fazer sem compromisso nenhum. E aí a senhora decide o que é melhor para você”, disse um dos atravessadores.

Ele se apresenta como José Donato Filho. No dia 3 de junho, a reportagem gravou imagens dele em frente ao IML Central. Ele também estava lá nos dias 11 e 12. Nesse dia, pediu para um homem ligar para o motorista do carro funerário da Prefeitura para saber onde ele estava.

Donato Filho disse que tem uma funerária em Embu-Guaçu, na Grande São Paulo. “Aqui a família às vezes demora para liberar. Então procura a gente, a funerária particular, para agilizar o processo.”
Ele disse que não tem contato dentro do IML, mas que conhece bastante gente lá. “Conheço várias pessoas dentro do IML, mas assim com uma amizade. Como a gente está vários anos trabalhando, então, a gente conhece as pessoas, entendeu? Mas não existe propina para agilizar, não existe essas coisas, não existe nada.”

A reportagem pediu informações sobre um enterro na cidade de São Paulo. Donato dá o preço. “R$ 2,6 mil. Caixão, transporte, higienização do corpo, tudo prontinho.”

Por lei, na capital paulista, os serviços funerários são de competência exclusiva da Prefeitura. O sepultamento mais simples custa R$ 701.
Atravessadores
Mas um agente de uma funerária particular denuncia que há um esquema ilegal para tirar dinheiro das famílias que precisam enterrar um parente na cidade. Ele diz que os atravessadores ficam em agências do serviço funerário da capital, em cemitérios, em hospitais, nos IMLs e no Serviço de Verificação de Óbitos.
Eles abordam as famílias com a promessa de liberar o corpo mais rápido e acertam o valor do funeral, sempre acima da tabela da Prefeitura. Depois, eles vão até uma agência funerária da própria Prefeitura e contratam o transporte do corpo, o velório e o enterro.

“Então quer dizer que quem trabalha para as funerárias particulares é a Prefeitura. Quem faz todo o funeral, na realidade, é a Prefeitura. Porém a família não vê isto. A família pensa que está fazendo com a funerária particular”, disse o denunciante.

Uma das vítimas desses atravessadores tem medo de se identificar. Ele disse que foi abordado na porta do IML Central. “A primeira pessoa a falar é eles. Você pensa que é um segurança, que é um funcionário, mas eles não têm nada a ver com o IML.”

A reportagem acompanhou o carro com o corpo desde o IML até o cemitério. É possível ser a identificação do carro, que é do serviço funerário de São Paulo. Quer dizer, mesmo pagando para um particular, foi o carro do município que transportou o corpo.

Um dos atravessadores se identificou como Luciano e disse que trabalha para a funerária Panamby, de Santana de Parnaíba, na região metropolitana. Luciano disse que para fazer um enterro mais rápido dentro da cidade de São Paulo precisa dar caixinha pra funcionários do serviço funerário municipal.

“Eu já trabalho nessa área há 15 anos. Então eu tenho meus meios. É caixinha. Tudo é caixinha. Ali já é dinheiro para um, dinheiro para garagem, dinheiro para o outro, isso tudo que eu vou agilizar”, disse Luciano. O sepultamento mais simples que Luciano oferece ficou quase seis vezes o valor oferecido pela Prefeitura: “R$ 3.880.”

Atestado de óbito
Outro homem que se apresenta como Roberto Silveira também é atravessador. Ele abordou nosso produtor na frente do prédio do Serviço de Verificação de Óbitos da capital, que atesta casos de morte natural.
A reportagem disse que precisava enterrar, na capital paulista, uma pessoa que morreu num hospital. Roberto disse que o serviço público demora muito e que se contratasse o serviço dele o sepultamento seria rápido. Ele também ofereceu um atestado de óbito.

“E não tem interesse de atestar? E nós vamos atrás do médico para atestar o óbito. Tenho. Daquele jeito que te falei. O atestado é que nem eu te falei, novecentos contos [R$ 900]. Entendeu? É o médico que atesta para gente”, disse Roberto.
Sem saber que estava sendo gravado, ele ofereceu os serviços de uma funerária particular para liberar o enterro mais rápido dentro da capital por R$ 3,5 mil. “Uma pessoa de confiança, tem nota fiscal, tudo direitinho, viu!”
Com a câmera ligada, ele negou que oferecesse serviços funerários particulares.
Outro lado
Segundo o serviço funerário da Prefeitura, Olávio de Fátimo Occhiuzzi foi transferido para uma função sem contato com o público e que foi aberta uma sindicância para apurar o ocorrido. O Serviço de Verificação de Óbitos da Universidade de São Paulo negou que os funcionários apressem a liberação dos corpos e que o tempo de espera depende dos exames feitos pelos médicos patologistas.
A superintendência da Polícia Técnico-Científica do governo do estado declarou que não há relação do IML com empresas funerárias ou com pessoas que ofereçam supostas facilidades e que a circulação dessas pessoas é proibida no IML.
O funcionário da funerária Panamby, que se identificou como Luciano, disse que não paga e que nunca pagou caixinha para funcionário do serviço funerário municipal. Ele se recusou a dar o nome completo. O proprietário da funerária Panamby, Tiago Arenzano, também negou que a funerária pague caixinha e informou que o funcionário Luciano usou mal as palavras.
Roberto Silveira, André Teles e Gilberto dos Santos disseram que só trabalham dentro da lei, fazendo transporte de corpos para fora de São Paulo.
A superintendente do serviço funerário municipal de São Paulo, Lúcia Salles França Pinto, disse que a ação dos atravessadores é ilegal e que não há esquema para apressar o enterro.