segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Medida de tudo

Caderno G Ideias abre espaço para reflexões sobre o que é ou pode ser, e como aproveitar, a passagem do tempo.Seja a marcada em relógios ou aquela que não se mede e que os gregos antigos já definiam como “momentos”
O tempo, esse mistério no qual es­­tamos inseridos, é um enigma difícil de ser decifrado. Objeti­­va­­mente, ele passa sempre da mesma maneira. Mas, subjetivamente, va­­ria de sociedade para sociedade, de época para época, e também de acordo com a atividade que a pessoa exerce. Um exemplo prático: o leitor que segura nas mãos esta edição do Caderno G Ideias, sentado em uma cadeira de frente para o mar da praia de Caiobá, vai ter uma percepção diferente de uma leitora que está dentro de seu apartamento em Curitiba. Se o sujeito que está no litoral estiver em férias, a fruição do tempo não será nem um pouco parecida com a daquela pessoa que se encontra na capital do estado, ainda mais se estiver trabalhando.

A tecnologia é a principal responsável por essa mudança na percepção da passagem do tempo. “Quem vive em uma aldeia indígena, no Brasil, hoje, se não tiver tevê ou internet, terá um ritmo de vida em que pouco muda de um dia para o outro. O tempo é sentido como lento. Já na cidade, com transportes rápidos e comunicações instantâneas, o tempo parece ser rápido demais. A mudança da percepção, portanto, liga-se a essas conquistas tecnológicas”, afirma o arqueólogo Pedro Paulo Funari, coordenador do Centro de Estudos Avançados da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
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Divulgação / “Nas línguas modernas, talvez momento fosse um bom termo para esse tempo simbólico, pois pode durar muito ou pouco tempo de relógio, mas nos marca.” Pedro Paulo Funari, arqueólogo e coordenador do Centro de Estudos Avançados da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) 
“Nas línguas modernas, talvez momento fosse um bom termo para esse tempo simbólico, pois pode durar muito ou pouco tempo de relógio, mas nos marca.” Pedro Paulo Funari, arqueólogo e coordenador do Centro de Estudos Avançados da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
 
De fato, as novidades tecnológicas não apenas criam a sensação de que tudo está mais rápido, como absorvem, e consomem, aos poucos, quase todo o tempo disponível.

O jornalista e escritor Leandro Sarmatz desistiu de usar e frequentar as redes sociais Facebook e Twitter, para ele, “aspiradores de tempo”. Ele também toma cuidado e se policia em relação ao uso do e-mail no período noturno. “Tudo isso (Facebook, Twitter e e-mail) estava fragmentando muito mais meu tempo e minha vida do que qualquer outro evento. Agora, tenho mais tempo para ler, escrever, ver um filme. E cada coisa com sua duração particular, sem afobação”, diz Sarmatz, editor da revista Vida Simples, publicação mensal da Editora Abril, que tem a finalidade de oferecer ao leitor sugestões para uma existência mais leve.
Depois de ter regrado a sua vida virtual, Sarmatz reconhece que conseguiu ter mais equilíbrio. Gaúcho radicado em São Paulo, ele acorda pouco antes das 7 horas, sai para uma caminhada de uma hora, volta para casa e, em menos de 30 minutos, está no trabalho. Por volta das 20 horas, retorna para casa. “Minha rotina é absolutamente comum, embora eu esteja mais consciente de que não é preciso viver afobado. Porque era, afinal, a tecnologia que me deixava assim”, conta.

O depoimento de Sarmatz, autor do livro de contos Uma Fome, um dos mais elogiados de 2010, aponta para uma questão: seja devido à tecnologia, por meio das redes sociais, ou aos compromissos da realidade, administrar o tempo não é uma tarefa fácil.
A monja Coen observa que o tempo não é, necessariamente, lento ou rápido – “o tempo apenas é”. “Nós somos o tempo. Não há tempo separado de nós”, afirma ela, desde 2001 à frente da Comunidade Zen Budista, no Pacaembu, em São Pau­­lo. Ela tem uma dica para o problema de gerenciamento do tempo: se estamos com toda a atenção no presente, a ansiedade some. Mas como não pensar nos compromissos futuros? “Dá tempo para fazer tudo. Mas dá tempo apenas de fazer o que ele permite fazer”, ensina.

O que a monja diz pode ser a solução para acabar com muitos problemas, mas colocar as palavras em prática é uma missão nem um pouco fácil de realizar. Ainda mais no contexto de 2011. Basta olhar para o lado: são muitas as ofertas de oportunidades, convites para fazer tudo em 24 horas – e isso aponta para outra marca de nossa época, a divisão do tempo.

A banda paulistana Titãs, já na década de 1980, tratava desse assunto por meio da letra da canção “AA-UU”: “Eu como, eu durmo/ Eu durmo, eu como/ Está na hora de acordar/ Está na hora de deitar/ Está na hora de almoçar/ Está na hora de jantar.”
Com horário para tudo, é bem possível que haja confusão a respeito de como saber aproveitar cada uma das horas. O professor Pedro Paulo Funari, da Unicamp, lembra que os gregos antigos já diferenciavam o tempo que passa sob o domínio de um deus (Kronos) e o tempo oportuno, o momento, que não pode ser medido, mas é significativo. “Nas línguas modernas, talvez momento fosse um bom termo para esse tempo simbólico, pois pode durar muito ou pouco tempo de relógio, mas nos marca”, afirma.

O comentário de Funari abre espaço para uma reflexão, elaborada por dois professores, Gustavo Bernardo, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e Ri­­cardo Timm de Souza, da Pon­­tifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS): quantidade altera, substancialmente, a qualidade. “A quantidade de eventos que vivenciamos, ou que nos atropelam, afeta a qualidade de cada um deles, tornando-o de alguma maneira fugaz. Assim, tudo parece passar mais rápido, porque na verdade vivemos menos e não mais do que antes,” diz Bernardo.

Um conceito relativo

Edson Delattre, professor no Instituto de Biologia da Unicamp, explica por que a percepção temporal varia entre indivíduos e de acordo com as circunstâncias

Confinamento, fome, perigos, ambiente, idade, entre outros fatores, alteram a maneira como cada pessoa percebe a passagem do dia, do ano, da vida. Os índios hopis, do Arizona, falam uma língua sem referência ao tempo. O professor Edson Delattre, da Unicamp, tem muito a dizer sobre o assunto deste Caderno G Ideias. Confira:


O escritor e editor Rodrigo Lacerda recomenda aos leitores da Gazeta do Povo a obra do escritor norte-americano William Faulkner (1897-1962) (foto) como uma sugestão para os que têm curiosidade em enteder como o passado se relaciona com o futuro e com o presente.

“O autor que, para mim, tem a chave do tempo, é o romancista William Faulkner. Simplesmente porque, para ele, não existia passado, presente e futuro. Ou melhor, não existia nenhuma separação entre essas três instâncias. Elas estão sempre colocadas, e misturadas.

Você, no presente, é um resultado de você no passado, e portanto o passado está presente em você. E você, no passado e no presente, é um conjunto de características que irão se desdobrar no futuro, e portanto o futuro também é sempre presente. Suas ações no presente são influenciadas por uma projeção de futuro, também. Não é, embora possa parecer, uma visão determinista da alma humana. Ela pode mudar ao longo do tempo, ou sofrer transformações, mas aquilo que foi mudado, aquilo que foi transformado, continua sendo parte de você.”

Serviço:

No Brasil, a Cosac Naify disponibiliza alguns livros de William Faulkner, entre os quais O Som e A Fúria, Luz em Agosto e Palmeiras Selvagens.
Zen Budismo
Aqui e agora é o momento certo
A meditação é importante, não para ficar fugir da vida, mas justamente para fluir com mais intensidade e presença pelos dias e noites. O processo do zen, explica a monja Coen, tem a finalidade de fazer com que a pessoa permaneça por inteira onde ela está. “Os exercícios de meditação auxiliam o ser humano a ser mais prático, a dizer não quando é necessário, a falar apenas o suficiente, a não desperdiçar energia”, afirma.
Aos leitores da Gazeta do Povo, ela dá algumas dicas, para quem está acelerado e pretende sorver mais o aqui e agora: “Ouça todos os sons. Sinta todas as fragrâncias. Perceba o ar, a temperatura em sua pele. Você está pensando? Ou não está pensando? Verifique sua postura. Costas eretas. Cabeça como se um fio puxasse para o céu. Pernas firmes pela força da gravidade. Não julgue. Nem certo nem errado, nem bonito nem feio. Seja. Apenas sentar. Que bom estar vivo. Este instante aqui e agora é o céu e a terra. Isso é tudo. Tudo é nada.”
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Monja Coen: a vida é simples.

“Não há uma concepção única de tempo entre os homens. Conforme afirmou o físico teórico norte-americano John Wheeler, ‘o tempo veste um traje diferente para cada papel que desempenha em nosso pensamento’.
O nosso sentido interno de tempo depende da sensação intrínseca da passagem do mesmo e tem correlação com o psiquismo e com as experiências externas em que o mundo exterior dá outras marcações. Dessas inter-relações com o ambiente, o sentido do tempo pode sofrer grandes mudanças. É da experiência humana geral o fato de que, quando estamos empenhados com muita atenção, e geralmente com prazer, num determinado ato, o tempo passa rápido e que, ao contrário, quando o tédio e/ou desagrado comandam a ação, o tempo é longo.
Os índios hopis do Arizona, estudados por Lee Whor, falam uma língua sem qualquer referência ao tempo. Os azandes, povo do Sudão, compactam presente e futuro, propiciando intervenção atual sobre acontecimentos que ocorrerão no futuro. Os nuers, outra tribo do Sudão, não possuem uma categoria temporal comparável à ocidental. Pensam e relacionam os acontecimentos como uma sucessão de atividades, apresentando uma curiosa marcação externa que pode evocar as possíveis posições do homem pré-histórico.”

Uma névoa

“De qualquer forma, nossa civilização é a que mais consciência tem do tempo, o que fez com que ele mais influísse no nosso estilo de vida. O tempo é como a névoa; ambos só nos permitem divisar adiante na medida em que caminhamos por eles.
Muitos fatores interferem nessa percepção intrínseca do tempo, como: confinamento, fome, perigos, ambiente desagradável, idade etc.
Imagine a eternidade dos oito segundos, para um peão de rodeios, que se equilibra durante os corcoveios de um cavalo xucro.”

Construção intelectual

“Não nascemos com o sentido do tempo. Ele parece ser adquirido pela criança nos primeiros três anos de vida e depende da demora em conseguir satisfazer suas necessidades mais básicas, como saciar a sede e a fome. O sentido de tempo parece ser uma construção intelectual muitas vezes relacionada com o espaço que deve ser vencido para satisfazer as necessidades. De qualquer forma, o conceito pleno de tempo demanda o desenvolvimento da capacidade de abstração que só vem a ocorrer bem mais tardiamente na vida. Aos 8 anos, parece que já existem os conceitos de antes e depois.
Jean Piaget testou a percepção infantil para uma série de perguntas sobre o tempo, a distância e a velocidade e concluiu que tais conceitos não estão presentes na mente da criança, mas exigem uma construção. A criança de 2 a 6 anos faz sua avaliação com base no momento presente. Depois começa a levar em conta outros fatores, como o ponto de partida. Só mais tarde vai dominar esses conceitos. Piaget perguntou a uma criança pequena: ‘Sua mãe nasceu antes ou depois de você?’. A criança respondeu: ‘Não me lembro mais’. Crianças um pouco mais velhas já buscam respostas mais elaboradas. A referência da criança sobre o tempo é o tamanho, o crescimento em estatura.
Como ainda á pequena, não tem a percepção do envelhecimento. As crianças acham que os cachorros não envelhecem. A noção dos efeitos da passagem do tempo vai sendo construída e, na pré-adolescência, as respostas já se assemelham às dos adultos. O tempo da criança de pouca idade é o tempo do presente. Nessa fase, o tempo da criança é o tempo das ações. Ela não conhece o passado, não conhece o futuro e não precisa deles.
Para as crianças mais velhas, jovens e adultos, o conceito cronológico é do tempo operatório. O tempo torna-se reversível enquanto forma porque presente, passado e futuro são recortes relativos e variáveis de uma mesma coisa.”

Divisões

“Um ano, fatiado em estações, meses, semanas etc, efemérides, festividades e eventos tradicionais e comemorativos, transcorre muito mais rapidamente do que se fosse, simplesmente, um ano consolidado. Um dia, subdividido em manhã, tarde, noite, horas, minutos e segundos, composto de horários das refeições, dos afazeres, das preces, passa mais rápido do que se fosse, simplesmente, um dia consolidado.”

Metabolismo

“A constatação de que pessoas idosas têm a sensação subjetiva de que o tempo passa muito rápido, ao contrário de crianças, que têm sensação oposta parece, também, estar ligada à velocidade do metabolismo. Idosos apresentam declínio do metabolismo, expansão da unidade de base temporal do seu cronômetro cerebral (cronômetro de intervalo) e, consequentemente, a sensação de que o tempo exterior passa mais rapidamente. Já a criança, dotada de metabolismo mais intenso, apresenta contração relativa da sua unidade de base temporal e, consequentemente, a sensação de que o tempo exterior passa mais lentamente.”

Lento transcurso

“O tédio faz com que a pessoa tenha a impressão de um tempo expandido, tempo que não passa, tempo lento e modorrento. Para avaliar isso, basta conversar com um recluso, um encarcerado. Sua rotina pobre e imutável, que se resume aos horários das refeições, do banho de sol e, eventualmente, do futebolzinho, aliada a uma eventual pobreza mental e intelectual, que não propicia diálogos criativos e instigantes, torna as horas, dias, meses e anos de cárcere uma lenta tortura. Não há assuntos para conversas, as leituras são controladas e rígidas. O mesmo ocorre com as vítimas de sequestro mantidas sob riscos, em cativeiro. Imagine, também, quanto mede o tempo para aqueles que se encontram em situações aflitivas e de risco de vida, como os mineiros soterrados na mina chilena. As agruras, medos, a angústia, o sofrimento, também proporcionam a sensação subjetiva de um tempo expandido, de lento transcurso.”

Uma existência a toda velocidade

Sobreviver em um tempo acelerado é um desafio para o ser humano, que pode desejar períodos de ócio e precisa render e produzir cada vez mais

No início, eram os ciclos das estações do ano, o nascer e o pôr do sol, entre outras variações da natureza, as medidas utilizadas pelo homem para delimitar a passagem do tempo. Por milênios foi assim. Os relógios só passaram a ser difundidos no século 15. “O tempo, mesmo aí, ainda era muito ligado à natureza e à religiosidade, às festas do calendário agrícola. A partir da industrialização, o tempo se tornou mais distante da natureza e da religião”, explica o arqueólogo da Unicamp Pedro Paulo Funari.
A caminhada do ser humano pelo planeta, com todas as suas ações e reações, iria forjar necessidades, inclusive o controle rigoroso do que é posível fazer em meio ao tique-taque dos ponteiros dos relógios, principalmente após a Revolução Industrial do século 19. Desde então, tempo é dinheiro; em 2011, já não existe mais almoço grátis – às vezes, nem há tempo para almoçar.
“Agora, então, com o advento da Revolução Digital, tudo está ainda mais acelerado”, afirma o professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de Brasília (Unb) Sadi Dal Rosso. Ele costuma dizer em sala de aula que são os processos de trabalho, que exigem a cada dia mais produtividade, os responsáveis pela aceleração do tempo presente e, por con­­sequência, do ritmo de vida das pessoas.
“Todo profissional é exigido cada vez mais. Você, quando vai para casa, não desliga. Ninguém deixa de pensar nas obrigações. O sujeito trabalha o tempo todo, até dormindo, e tem de render. Isso explica por que a vida está tão corrida, e vai se acelerar mais”, comenta Dal Rosso, renomado pesquisador das condições de trabalho no Brasil.

O ócio e o real

O editor e escritor Rodrigo Lacerda conhece, na prática, o discurso do professor Sadi Dal Rosso. Além de perceber que a vida contemporânea está corrida, Lacerda observa que tudo se mostra mais caro e difícil de ser sustentado. Daí, também, a necessidade de ampliar a jornada de trabalho. Atualmente, ele realiza as atividades profissionais dentro sua casa, em São Paulo – situação mais interessante, e confortável, do que quando tinha de estar, todo dia, das 9 às 18 horas, em um escritório.
“Trabalhar, mesmo em casa, provoca uma tensão constante, e a leitura e a escrita por prazer, sem estarem ligadas a nenhum compromisso de trabalho, eu praticamente só faço nas férias. É difícil desenvolver uma mente contemplativa assim”, comenta Lacerda, autor de Outra Vida, romance que ficou em segundo lugar na mais recente edição do Prêmio Portugal Telecom de Literatura.
O conflito de Lacerda, que prefere uma existência com mais contemplação e sonha em viver do que escreve, mas paga as contas trabalhando como editor e tradutor, é recorrente. E não apenas entre escritores, mas também entre uma parcela significativa dos 6 bilhões de habitantes da Terra. Em tempos recentes, o conceito do ócio criativo, título de um livro do sociólogo italiano Domenico De Masi, passou a seduzir cada vez mais pessoas, pela proposta de equilibrar, dentro das 24 horas, trabalho, estudo e jogo. Na prática, o objetivo é ter mais tempo livre. Mas isso é sinônimo, ou mesmo garantia, de uma performance mais criativa?
“Não necessariamente”, responde o professor de Cronobiologia da Unicamp Edson Delattre. “Não obstante, em minha experiência, inclusive nos trabalhos voluntários, já observei que as melhores inspirações surgem da luta diária, durante as ações de campo ou nos períodos que imediatamente lhe seguem, no percurso de casa ou já em domicílio. Parece-me que os períodos de ócio estrito não são bons desencadeadores de inspiração criativa”, afirma Delattre.
As fontes inspiradoras, reforça o pesquisador da Unicamp, estão mais ligadas ao trabalho diário do que ao ócio estiolante. “Penso que as ações neuromusculares atuam como agentes facilitadores dos processamentos mentais intuitivos, inspiradores e criativos. Porém, provavelmente, pode não ser regra geral e, possivelmente, muitas pessoas aproveitem melhor o ócio”, pondera o professor.

Muito acelerado

Ao analisar criticamente o contexto socioeconomico do tempo contemporâneo, Delattre constata que não foi o tempo que encurtou. “Vivemos num ritmo acelerado, buscamos cada vez mais algo que nem temos consciência do que é, mas que somos induzidos a buscar, uma satisfação que na verdade jamais será alcançada neste modelo consumista e individualista em que vivemos atualmente”, diz. E, em meio a um ritmo que acelera, “inclusive a mente”, co­­mo enfatiza a Mon­­ja Coen, a pessoa po­­de, nessa luta pe­­la sobrevivência, perder o chão, e até a mesmo a saúde.

Entre um café expresso e uma oferta-relâmpago
Durante a última década, o cirurgião do aparelho digestivo Edmilson Mário Fabbri passou a conversar mais com os seus pacientes, diminiui as receitas de remédios e, principalmente, o número de intervenções cirúrgicas. Ele percebeu que as dores e os problemas estomacais eram, e são, resultado da aceleração progressiva da vida em ritmo frenético nas grandes cidades.
“As pessoas precisam aprender a quebrar o ritmo do dia a dia”, diz Fabbri. E como fazer isso? Inserir, e manter, a prática de atividades físicas na rotina. “O estresse, por si só, não é algo ruim. Trata-se de uma reação do organismo. Mas é preciso fazer algo com o estresse. Movimentar o corpo ajuda. Relaxamento e meditação também são úteis para reduzir a ansiedade, uma das principais causas dos problemas no estômago”, afirma.
O médico fez um curso de Filosofia e encontrou, nas obras de Platão e Schopenhauer, entre outros filósofos, subsídios para refletir sobre os impasses existenciais. A clínica que ele mantém no Alto da XV, em Curitiba, é um local frequentado por executivos de multinacionais e taxistas, entre outros profissionais liberais, que procuram ajuda para sair do aparente beco sem saída que é o cotidiano barulhento, e muitas vezes prejudicial, em uma metrópole.
A necessidade de desacelerar é um dos motivos que leva de músicos a professores universitários à Comunidade Zen Budista, da monja Coen, em São Paulo. O número de pessoas que frequenta o local quadruplicou em menos de uma década. São simpatizantes, que buscam nas pa­­la­­vras de Buda, receitas para viver melhor.
“Em uma sociedade que se tornou full time, na qual quase todos bebem, quando não engolem, cafés expressos, e no comércio são anuncidas ofertas-relâmpago, há quem deseje meditar, não para se alienar, mas para sobreviver”, diz a monja Coen.
Além de sobreviver, e resistir ao tempo, entender esse enigma sempre foi e ainda é um desafio. “Hoje, o tempo pode ser contado muito precisamente, como nunca no passado, mas parece cada vez mais fugaz, e não menos enigmático”, finaliza o professor Pedro Paulo Funari, da Unicamp. (MRS)

Efeito cascata turbina impostos

Mesmo sem mudanças de alíquota, o crescimento econômico deve fazer com que a carga suportada por empresas e pessoas físicas continue a crescer

O contribuinte que prepare o bolso. Se não bastassem a inflação acima da meta e os juros em alta, a mordida dos impostos será maior em 2011. Cidadãos e empresas vão recolher aos cofres de União, estados e municípios cerca de R$ 1,4 trilhão neste ano, 10,2% a mais que no ano passado. A previsão é do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), que tem sede em Curitiba.
A Receita Federal só divulgará os números oficiais nos próximos meses, mas o IBPT calcula que os brasileiros tenham pago R$ 1,27 trilhão em tributos em 2010, 16% acima do valor do ano anterior. Com isso, a carga tributária – a parte da geração de riquezas que é “engolida” pelos impostos – provavelmente ficou na casa dos 35% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo a advogada Letícia Amaral, vice-presidente do instituto. Ou seja, de cada R$ 100 “criados” por empresas e trabalhadores, os governos ficaram com pelo menos R$ 35.
Fiscalização
A tendência, diz Letícia, é que o peso dos tributos aumente um pouco mais neste ano. Não por causa de aumentos de alíquotas – ela trabalha com um cenário de manutenção dos níveis atuais –, mas por uma característica peculiar do sistema tributário brasileiro: sempre que a economia cresce, a arrecadação cresce em ritmo mais forte. Descontada a inflação prevista pelo mercado, de 5,34%, o recolhimento de impostos crescerá 4,6% em 2011, avanço mais rápido que o esperado para a economia nacional (4,5%).
“Mesmo considerando que não deve haver aumento de alíquotas, a arrecadação aumentará mais que o crescimento do PIB, resultando assim num aumento da carga tributária. Isso porque o sistema brasileiro é moldado na multi-incidência dos tributos, uma vez que um imposto incide sobre o outro, no chamado efeito cascata”, explica a advogada. “Para acabar com esse fenômeno, só alterando a própria configuração do sistema.”

Novo governo

Existem hoje mais de 60 impostos, taxas e contribuições no país, num emaranhado de siglas que se torna ainda mais monstruoso quando são consideradas as chamadas “obrigações acessórias” que as empresas têm de enfrentar nas emissões de notas, declarações, livros fiscais e afins. Embora a presidente Dilma Rousseff tenha defendido uma simplificação do sistema tributário, ela não explicou como, exatamente, seu governo vai desatar o nó. “É muito difícil saber o que esperar do governo que se inicia. Ao mesmo tempo em que a presidente fala em simplificar, ressurge a discussão sobre a CSS”, diz Letícia, referindo-se à Contribuição Social para a Saúde, que seria uma reencarnação da extinta CPMF.

Reforma, não

Apesar da evidente necessidade de mudanças, a vice-presidente do IBPT não se alinha aos que defendem uma reforma tributária – coisa que, além de demorar meses ou anos para ser aprovada, costuma chegar ao fim totalmente desconfigurada e, pior, elevando a carga tributária. Mais simples e eficiente, defende a advogada, é promover mudanças pontuais que não exijam aprovação do Congresso – caso de algumas medidas adotadas para enfrentar a crise internacional, como a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que foi feita por decreto.
“O caso do IPI foi um bom exemplo de como arrecadar o mesmo, cobrando alíquota menor. O aumento do consumo, estimulado pelo imposto menor, compensou a queda da alíquota, e o resultado foi uma economia mais aquecida, que se refletiu na própria arrecadação. É algo que deveria ser estendido a outros setores”, sugere.

Vem aí o “Gastômetro”

Antes de tentar reduzir a carga tributária, o governo deveria se preocupar em controlar suas despesas. A avaliação é de Letícia Amaral, vice-presidente do IBPT. “Enquanto o governo se mostra incapaz de controlar seus gastos, a população continuará sem ver o resultado dos impostos que paga, sem ter a retribuição na forma de serviços públicos de qualidade.”
O IBPT, que em parceria com a Associação Comercial de São Paulo criou o “Impostômetro”, promete para este ano uma nova ferramenta, o “Gastômetro”. A intenção é pressionar por uma maior eficiência nas despesas públicas, com uma ferramenta que vai mostrar para a população qual é o destino dos bilhões arrecadados todos os meses.
“Nosso objetivo é mostrar quanto dinheiro vai para áreas essenciais, quanto vai para pagamento de pessoal, de juros da dívida, previdência e outros, e quanto é desperdiçado em despesas supérfluas”, diz a advogada. “Quando a sociedade se informa, passa a cobrar pela melhor aplicação de seu dinheiro.”
A dificuldade maior, segundo Letícia, está em reunir em uma única base de dados todas as informações, referentes à arrecadação e aos gastos dos governos federal, estaduais e municipais. Por isso, ainda não há previsão para o lançamento do Gastômetro. (FJ)

Um adeus rápido, doloroso e improvisado

Enterro dos corpos das vítimas foi feito durante a madrugada no cemitério de Teresópolis. Não há tempo para despedidas
Teresópolis (RJ) - Com pouco espaço e muita demanda, o enterro dos corpos das vítimas das chuvas na região serrana do Rio de Janeiro teve de ser improvisado no principal cemitério da cidade de Teresópolis. É equilibrando-se sobre o lamaçal e à luz de geradores recém-instalados que os familiares dos mortos chegam à noite às covas-rasas, abertas aos montes assim que a tragédia se intensificou. O adeus é rápido e doloroso.
Muitos dos enterros têm sido feitos à noite, assim que o Instituto Médio Legal (IML) libera os corpos. Na noite de sexta-feira, um caminhão do IML trouxe 14 cadáveres na caçamba. Nos caixões estavam escritos os nomes das vítimas, que o coveiro lia em voz alta. Os familiares se aproximavam e o se­­guiam para o local do sepultamento.
Apoio
500 militares chegam à região
Um grupo de 500 militares chegaria neste sábado à região serrana do Rio. Eles trabalharão na desobstrução de vias e remoção de escombros em Teresópolis, Nova Friburgo e Petrópolis; no apoio à distribuição de donativos; e no atendimento médico em Nova Friburgo. Serão 396 do militares do Exército, 102 da Marinha, 8 da Força Aérea Brasileira, 11 helicópteros, três ambulâncias, 52 viaturas, duas retroescavadeiras, duas pás carregadeiras, dois geradores, uma torre de iluminação, 15 barracas e um hospital de campanha
Não há tempo para canto nem oração em voz alta dos familiares. Só choro. Os coveiros colocam o caixão na terra e algumas pessoas jogam flores. Logo em seguida, o buraco é fechado. O trabalho é rápido também devido ao cheiro dos cadáveres, em estado de decomposição. Uma cruz de madeira com um número é posta em cima da terra. É pelo número que o túmulo da vítima será identificado. Não se escreve o nome.
Uma das vítimas nessa espécie de anonimato é Jonas Afonso dos Santos, 19 anos, um herói, segundo o amigo Agostinho de Oliveira Ferraz. Jonas era voluntário da Defesa Civil e morreu salvando um rapaz que nem conhecia de uma forte correnteza. Ele foi levado pela água e o corpo foi encontrado a dois quilômetros do local. O corpo foi reconhecido por um cordão que Jonas usava no pescoço.
Agostinho é agente da Defesa Civil há oito anos e convidou Jonas para atuar no órgão. O amigo aceitou e incorporou os princípios de ajuda ao próximo. “Jonas já estava a salvo e voltou para salvar o rapaz”, diz Agostinho. “Meu amigo tinha experiência.” O irmão de Jonas, Ezequiel Afonso dos Santos, 23 anos, também faleceu. Ezequiel iria se casar no sábado passado.

Do que é feita a inflação do curitibano?

No dia 7, o IBGE divulgou que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) brasileiro chegou a 5,92% no ano passado, mas em Curitiba e na região metropolitana o estrago foi ainda maior: os preços subiram 6,71% em 2010.


Em todo o país, o IBGE tem uma lista de 384 produtos e serviços, divididos em nove grandes áreas e cujos preços são pesquisados mensalmente. Eles vão dos mais básicos (como ovos e leite) até itens bem específicos (como reforma de estofados), passando pelo quase anacrônico (como filme e flash descartável). Mas nem todos compõem a inflação da Grande Curitiba: aqui, a lista cai para 243 itens -- ficam de fora, por exemplo, açúcar cristal, filé mignon, vários tipos de peixes, chope e serviços como creche e aula de natação; outras exclusões são mais óbvias, como passagem de metrô.
O peso de cada item na inflação é determinado pela Pesquisa de Orçamento Familiar de 2002-03, que mapeou os hábitos de consumo dos brasileiros e o impacto dos produtos e serviços nos orçamentos das famílias. A influência de cada item no cálculo total pode sofrer leves alterações a cada mês; agasalhos, por exemplo, têm peso maior no inverno. No quadro acima, você pode conferir a importância de cada produto ou serviço no cálculo da inflação -- quanto maior o tamanho do retângulo, maior o peso -- e a variação anual dos preços de cada item pesquisado.