Rio - É lema entre os coveiros a máxima de que “só temos que ter medo dos vivos”. Em termos de cuidados com o meio ambiente, porém, o além-túmulo também preocupa, e muito.

Levantamento de um dos maiores especialistas no assunto indica que 75% dos cemitérios públicos do Brasil têm problemas ambientais, principalmente com vazamento do necrochorume — líquido oriundo da decomposição dos corpos — para lençóis freáticos. No Rio de Janeiro, recentes vistorias comprovaram os problemas.

Geólogo, mestre em engenharia sanitária e professor da Universidade São Judas, Lezíro Marques Silva, que vistoriou 1.107 cemitérios, prepara estudo nacional com estatísticas sobre o assunto. Segundo ele, os cemitérios sofrem principalmente com falta de cuidado com a escolha do local e desleixo na impermeabilização das sepulturas.“Sabe aquelas manchas que parecem gordura que vemos nos muros dos cemitérios? Podem ser necrochorume”, explica Lezíro Silva.
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Ele diz que, seis meses após a morte, um corpo de 70 quilos perde até 30 quilos em forma de necrochorume. “A ironia é que se o lençol freático está muito perto do solo, esse material pode viajar pela água e contaminar os vivos com um série de doenças”.

O geólogo ajudou o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) a fazer resoluções cobrando mais cuidado com as covas. Segundo ele, o fundo das sepulturas deve ser impermeabilizado ou o caixão, forrado por fora com manta de tecido especial.

Mas o ideal é que cemitérios seguissem padrões de aterros sanitários, com o lençol freático mais profundo possível, rocha impermeável e distância dos centros urbanos. “Além disso, seria interessante haver mais cremações”, acrescenta.

Cenas que lembram um filme de terror

Medidas como a impermeabilização e cuidados com o armazenamento de resíduos de corpos cremados evitariam cenas como as constatadas por operações de fiscalização da Coordenadoria de Integrada de Combate aos Crimes Ambientais (Cicca), Inea e delegacias especializadas em combate aos crimes ambientais nos últimos meses.

O coordenador da Cicca, José Maurício Padrone conta que, como os cemitérios nunca tinham sido fiscalizados, a situação encontrada foi terrível. “Igual, só em filmes de terror”.

Entre as irregularidades estavam resíduos de cremação “amontoados”, o despejo de produtos para conservação de cadáveres em rios, vazamento de necrochorume e cemitérios em terrenos baixos que ficavam inundados.

Interdições em Xerém e no Caju

Segundo José Maurício Padrone, cemitérios com irregularidades ambientais podem ser interditados ou notificados. Um dos vistoriados recentemente foi o Cemitério do Caju, no Rio.

O forno do ossuário foi lacrado e interditado. Havia resíduos e resto de exumação na área externa do ossuário ao lado do forno. Padrone explica que a área do depósito de ossos está sendo reformada para atender às exigências.

Já em Xerém, em Duque de Caxias, o cemitério foi parcialmente interditado. Em dias de chuva forte, quando havia inundações, crânios rolavam para áreas residenciais vizinhas.