segunda-feira, 11 de junho de 2012

Perigos do necrochorume são ignorados por coveiros de RC



A febre tifoide, a febre paratifoide e a hepatite (Hepatite A) infecciosa são exemplos de doenças causadas pela contaminação por necrochorume
A febre tifoide, a febre paratifoide e a hepatite (Hepatite A) infecciosa são exemplos de doenças causadas pela contaminação por necrochorume
Antonio Archangelo

A superlotação dos campos-santos aumenta a exposição de riscos aos trabalhadores do setor. Em Rio Claro, mesmo com indícios de contaminação no Cemitério Municipal “São João Batista”, os coveiros pouco sabem sobre os riscos ocasionados pela exposição ao solo contaminado. Atualmente, os seis coveiros recebem para enterro e exumação de cadáveres luvas emborrachadas e máscaras, porém não recebem acompanhamento especializado para o esclarecimento da situação. “Seria bom haver alguma palestra ou até mesmo um acompanhamento para garantir nossa saúde”, comenta um dos servidores. Os trabalhadores recebem insalubridade, de acordo com o Sindicato dos Servidores Públicos Municipais, entre 20% e 40% por riscos biológicos. Porém pelo menos um servidor já ganhou na Justiça a revisão do benefício devido a questionamento do valor. “A insalubridade está sendo calculada em cima do mínimo, e o correto é em cima de nossos salários”, comenta um dos coveiros que questionam a situação na Justiça.

“Pouco ou nada sabemos ainda sobre os riscos do necrochorume. Nunca passamos por uma capacitação. Aqui os mais velhos ensinam aos mais novos e tomamos medidas simples para garantir nossa saúde”, diz. “Sabemos da politicagem que impede a construção de um novo cemitério, porém seria o ideal”, revela.

Três anos é o tempo estabelecido para que um corpo tenha as chamadas partes moles apodrecidas, restando apenas ossos, dentes, cabelos e unhas. Esse tempo pode variar, dependendo da idade do morto, doenças que teve (incluindo a causa mortis), tipo de remédios que tomou, drogas que ingeriu, tipo de sepultamento que teve (com pastilhas, mantas absorventes, tipo de urna e jazigo) e, também, o tipo de solo em que ocorreu o sepultamento. Durante os primeiros 6 meses, cada cadáver produz em média de 30 a 40 litros de necrochorume, sendo que o processo completo pode chegar a cinco anos em condições normais.



2011

No ano passado, uma denúncia relatava a falta de luvas adequadas para o trabalho, além de número limitado de funcionários para a limpeza e ausência de sacos para a retirada de ossos.

O relato que chegou, na época, ao sindicato apontava para a disponibilização de luvas cirúrgicas que rasgavam com facilidade durante a limpeza dos túmulos, na retirada dos ossos e exumação de cadáveres, colocando em risco a saúde dos servidores. “A falta de funcionários para limpeza faz com que os mesmos acumulem serviço, assim como o transtorno de não ter onde depositar os ossos retirados. Os servidores já cogitam até a hipótese de cada um comprar seu equipamento para a realização do trabalho. Isso é um absurdo do ponto de vista trabalhista”, apontava circular encaminhada à imprensa na época.

Neste ano a prefeitura diz que essa situação não existe. A administração do cemitério municipal informou que as luvas utilizadas pelos funcionários são adequadas e existem em quantidade suficiente. Essas luvas emborrachadas e adequadas para o trabalho são fornecidas diretamente pelo Serviço de Atendimento ao Servidor. Nos últimos dois meses, três novos servidores foram incorporados ao quadro de funcionários do cemitério, elevando para nove servidores trabalhando no local, quantidade considerada, por enquanto, suficiente para os trabalhos desenvolvidos. Ainda, segundo a administração do cemitério, há, sim, local para depositar os ossos retirados, uma vez que existem dois ossários que dão conta dessa demanda. A atual administração também providenciou sacos de exumação, com identificação, para a retirada dos restos mortais tanto das sepulturas, quanto das quadras gerais. Foram adquiridos mais de três mil sacos de exumação, e ainda há esse material em estoque. Além disso, é preciso observar que a maioria das famílias que utiliza as gavetas funerárias do cemitério providencia sepultura própria para os restos após o uso dessas gavetas.

Contaminação

A decomposição dos corpos produz uma substância líquida chamada necrochorume, que é composta por micro-organismos infecciosos, como bactérias e vírus. Calcula-se que cada cadáver libere, em média, 200 ml de necrochorume por dia durante, pelo menos, seis meses. Segundo Alberto Pacheco, professor da USP (Universidade de São Paulo) e pesquisador do Cepas-USP (Centro de Pesquisa de Águas Subterrâneas), quando o líquido entra em contato com o lençol freático por conta de “rachetas” (rachaduras), ele pode se espalhar e afetar quem vive nas proximidades, principalmente por meio de poços artesianos da região. “Há casos históricos (...) na Europa”, diz o hidrogeólogo, relembrando os surtos de febre tifoide ocorridos em Berlim, na Alemanha, e Paris, na França, durante a década de 1970. Ele também enfatiza que, além da febre tifoide, a febre paratifoide e a hepatite infecciosa, essencialmente a hepatite A, são exemplos de doenças causadas pela contaminação do necrochorume.

Para Alberto Pacheco, são necessários projetos de construção ou adaptação de cemitérios baseados em estudos de geotecnia, com o enfoque nas características do solo e na profundidade das águas subterrâneas. De acordo com o professor, o solo deve ter capacidade de filtrar as bactérias e absorver os vírus. Afirma ainda ser fundamental, durante os sepultamentos, manter uma distância mínima de 1,5 m do lençol freático, “para evitar qualquer possibilidade de contaminação”.

A jornalista Fernanda Felicioni, autora do livro “A Ameaça dos Mortos – Cemitérios põem em risco a qualidade das águas subterrâneas”, diz que alguns especialistas apontam a cremação como uma alternativa para esse problema e o da superlotação nos cemitérios, mas isso esbarra em questões culturais e religiosas. Devido à falta de jazigos, houve um aumento no uso dessa técnica nos últimos anos, porém isso ainda representa uma parcela mínima do total de pessoas mortas. “No entanto, é preciso lembrar que a cremação também polui o meio ambiente, no caso o ar”, afirma a jornalista, alegando que a maior parte dos crematórios utiliza sistemas avançados de filtragem da fumaça justamente para tentar reduzir os gases do efeito estufa.



Funeral verde

Em vários países, novos métodos são desenvolvidos para uma destinação mais ecológica de cadáveres humanos. No estado norte-americano da Califórnia, há um projeto de lei, do deputado republicano Jeff Miller, que visa a permitir a utilização de uma tecnologia funerária menos poluente. Em vez da cremação, é feita a hidrólise alcalina, um processo químico que dissolve os corpos e, por isso, reduz a emissão de gases do efeito estufa. Já o freeze-dry, utilizado na Suécia desde 2005, é considerado uma das alternativas mais corretas do ponto de vista ecológico. A técnica consiste em congelar e desidratar o cadáver por meio da utilização de nitrogênio líquido a -196°C, transformando o corpo em pó após um processo de vibração. Esse pó é colocado em uma caixa feita de amido de milho ou batata, em cova rasa, para o plantio de uma árvore, a fim de que sejam aproveitados todos os nutrientes e não reste nenhum resíduo dentro de seis meses a um ano. (com informações de http://aameacadosmortos.blogspot.com.br)