segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Medida de tudo

Caderno G Ideias abre espaço para reflexões sobre o que é ou pode ser, e como aproveitar, a passagem do tempo.Seja a marcada em relógios ou aquela que não se mede e que os gregos antigos já definiam como “momentos”
O tempo, esse mistério no qual es­­tamos inseridos, é um enigma difícil de ser decifrado. Objeti­­va­­mente, ele passa sempre da mesma maneira. Mas, subjetivamente, va­­ria de sociedade para sociedade, de época para época, e também de acordo com a atividade que a pessoa exerce. Um exemplo prático: o leitor que segura nas mãos esta edição do Caderno G Ideias, sentado em uma cadeira de frente para o mar da praia de Caiobá, vai ter uma percepção diferente de uma leitora que está dentro de seu apartamento em Curitiba. Se o sujeito que está no litoral estiver em férias, a fruição do tempo não será nem um pouco parecida com a daquela pessoa que se encontra na capital do estado, ainda mais se estiver trabalhando.

A tecnologia é a principal responsável por essa mudança na percepção da passagem do tempo. “Quem vive em uma aldeia indígena, no Brasil, hoje, se não tiver tevê ou internet, terá um ritmo de vida em que pouco muda de um dia para o outro. O tempo é sentido como lento. Já na cidade, com transportes rápidos e comunicações instantâneas, o tempo parece ser rápido demais. A mudança da percepção, portanto, liga-se a essas conquistas tecnológicas”, afirma o arqueólogo Pedro Paulo Funari, coordenador do Centro de Estudos Avançados da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
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Divulgação / “Nas línguas modernas, talvez momento fosse um bom termo para esse tempo simbólico, pois pode durar muito ou pouco tempo de relógio, mas nos marca.” Pedro Paulo Funari, arqueólogo e coordenador do Centro de Estudos Avançados da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) 
“Nas línguas modernas, talvez momento fosse um bom termo para esse tempo simbólico, pois pode durar muito ou pouco tempo de relógio, mas nos marca.” Pedro Paulo Funari, arqueólogo e coordenador do Centro de Estudos Avançados da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
 
De fato, as novidades tecnológicas não apenas criam a sensação de que tudo está mais rápido, como absorvem, e consomem, aos poucos, quase todo o tempo disponível.

O jornalista e escritor Leandro Sarmatz desistiu de usar e frequentar as redes sociais Facebook e Twitter, para ele, “aspiradores de tempo”. Ele também toma cuidado e se policia em relação ao uso do e-mail no período noturno. “Tudo isso (Facebook, Twitter e e-mail) estava fragmentando muito mais meu tempo e minha vida do que qualquer outro evento. Agora, tenho mais tempo para ler, escrever, ver um filme. E cada coisa com sua duração particular, sem afobação”, diz Sarmatz, editor da revista Vida Simples, publicação mensal da Editora Abril, que tem a finalidade de oferecer ao leitor sugestões para uma existência mais leve.
Depois de ter regrado a sua vida virtual, Sarmatz reconhece que conseguiu ter mais equilíbrio. Gaúcho radicado em São Paulo, ele acorda pouco antes das 7 horas, sai para uma caminhada de uma hora, volta para casa e, em menos de 30 minutos, está no trabalho. Por volta das 20 horas, retorna para casa. “Minha rotina é absolutamente comum, embora eu esteja mais consciente de que não é preciso viver afobado. Porque era, afinal, a tecnologia que me deixava assim”, conta.

O depoimento de Sarmatz, autor do livro de contos Uma Fome, um dos mais elogiados de 2010, aponta para uma questão: seja devido à tecnologia, por meio das redes sociais, ou aos compromissos da realidade, administrar o tempo não é uma tarefa fácil.
A monja Coen observa que o tempo não é, necessariamente, lento ou rápido – “o tempo apenas é”. “Nós somos o tempo. Não há tempo separado de nós”, afirma ela, desde 2001 à frente da Comunidade Zen Budista, no Pacaembu, em São Pau­­lo. Ela tem uma dica para o problema de gerenciamento do tempo: se estamos com toda a atenção no presente, a ansiedade some. Mas como não pensar nos compromissos futuros? “Dá tempo para fazer tudo. Mas dá tempo apenas de fazer o que ele permite fazer”, ensina.

O que a monja diz pode ser a solução para acabar com muitos problemas, mas colocar as palavras em prática é uma missão nem um pouco fácil de realizar. Ainda mais no contexto de 2011. Basta olhar para o lado: são muitas as ofertas de oportunidades, convites para fazer tudo em 24 horas – e isso aponta para outra marca de nossa época, a divisão do tempo.

A banda paulistana Titãs, já na década de 1980, tratava desse assunto por meio da letra da canção “AA-UU”: “Eu como, eu durmo/ Eu durmo, eu como/ Está na hora de acordar/ Está na hora de deitar/ Está na hora de almoçar/ Está na hora de jantar.”
Com horário para tudo, é bem possível que haja confusão a respeito de como saber aproveitar cada uma das horas. O professor Pedro Paulo Funari, da Unicamp, lembra que os gregos antigos já diferenciavam o tempo que passa sob o domínio de um deus (Kronos) e o tempo oportuno, o momento, que não pode ser medido, mas é significativo. “Nas línguas modernas, talvez momento fosse um bom termo para esse tempo simbólico, pois pode durar muito ou pouco tempo de relógio, mas nos marca”, afirma.

O comentário de Funari abre espaço para uma reflexão, elaborada por dois professores, Gustavo Bernardo, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e Ri­­cardo Timm de Souza, da Pon­­tifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS): quantidade altera, substancialmente, a qualidade. “A quantidade de eventos que vivenciamos, ou que nos atropelam, afeta a qualidade de cada um deles, tornando-o de alguma maneira fugaz. Assim, tudo parece passar mais rápido, porque na verdade vivemos menos e não mais do que antes,” diz Bernardo.

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