segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Um conceito relativo

Edson Delattre, professor no Instituto de Biologia da Unicamp, explica por que a percepção temporal varia entre indivíduos e de acordo com as circunstâncias

Confinamento, fome, perigos, ambiente, idade, entre outros fatores, alteram a maneira como cada pessoa percebe a passagem do dia, do ano, da vida. Os índios hopis, do Arizona, falam uma língua sem referência ao tempo. O professor Edson Delattre, da Unicamp, tem muito a dizer sobre o assunto deste Caderno G Ideias. Confira:


O escritor e editor Rodrigo Lacerda recomenda aos leitores da Gazeta do Povo a obra do escritor norte-americano William Faulkner (1897-1962) (foto) como uma sugestão para os que têm curiosidade em enteder como o passado se relaciona com o futuro e com o presente.

“O autor que, para mim, tem a chave do tempo, é o romancista William Faulkner. Simplesmente porque, para ele, não existia passado, presente e futuro. Ou melhor, não existia nenhuma separação entre essas três instâncias. Elas estão sempre colocadas, e misturadas.

Você, no presente, é um resultado de você no passado, e portanto o passado está presente em você. E você, no passado e no presente, é um conjunto de características que irão se desdobrar no futuro, e portanto o futuro também é sempre presente. Suas ações no presente são influenciadas por uma projeção de futuro, também. Não é, embora possa parecer, uma visão determinista da alma humana. Ela pode mudar ao longo do tempo, ou sofrer transformações, mas aquilo que foi mudado, aquilo que foi transformado, continua sendo parte de você.”

Serviço:

No Brasil, a Cosac Naify disponibiliza alguns livros de William Faulkner, entre os quais O Som e A Fúria, Luz em Agosto e Palmeiras Selvagens.
Zen Budismo
Aqui e agora é o momento certo
A meditação é importante, não para ficar fugir da vida, mas justamente para fluir com mais intensidade e presença pelos dias e noites. O processo do zen, explica a monja Coen, tem a finalidade de fazer com que a pessoa permaneça por inteira onde ela está. “Os exercícios de meditação auxiliam o ser humano a ser mais prático, a dizer não quando é necessário, a falar apenas o suficiente, a não desperdiçar energia”, afirma.
Aos leitores da Gazeta do Povo, ela dá algumas dicas, para quem está acelerado e pretende sorver mais o aqui e agora: “Ouça todos os sons. Sinta todas as fragrâncias. Perceba o ar, a temperatura em sua pele. Você está pensando? Ou não está pensando? Verifique sua postura. Costas eretas. Cabeça como se um fio puxasse para o céu. Pernas firmes pela força da gravidade. Não julgue. Nem certo nem errado, nem bonito nem feio. Seja. Apenas sentar. Que bom estar vivo. Este instante aqui e agora é o céu e a terra. Isso é tudo. Tudo é nada.”
Divulgação
Monja Coen: a vida é simples.

“Não há uma concepção única de tempo entre os homens. Conforme afirmou o físico teórico norte-americano John Wheeler, ‘o tempo veste um traje diferente para cada papel que desempenha em nosso pensamento’.
O nosso sentido interno de tempo depende da sensação intrínseca da passagem do mesmo e tem correlação com o psiquismo e com as experiências externas em que o mundo exterior dá outras marcações. Dessas inter-relações com o ambiente, o sentido do tempo pode sofrer grandes mudanças. É da experiência humana geral o fato de que, quando estamos empenhados com muita atenção, e geralmente com prazer, num determinado ato, o tempo passa rápido e que, ao contrário, quando o tédio e/ou desagrado comandam a ação, o tempo é longo.
Os índios hopis do Arizona, estudados por Lee Whor, falam uma língua sem qualquer referência ao tempo. Os azandes, povo do Sudão, compactam presente e futuro, propiciando intervenção atual sobre acontecimentos que ocorrerão no futuro. Os nuers, outra tribo do Sudão, não possuem uma categoria temporal comparável à ocidental. Pensam e relacionam os acontecimentos como uma sucessão de atividades, apresentando uma curiosa marcação externa que pode evocar as possíveis posições do homem pré-histórico.”

Uma névoa

“De qualquer forma, nossa civilização é a que mais consciência tem do tempo, o que fez com que ele mais influísse no nosso estilo de vida. O tempo é como a névoa; ambos só nos permitem divisar adiante na medida em que caminhamos por eles.
Muitos fatores interferem nessa percepção intrínseca do tempo, como: confinamento, fome, perigos, ambiente desagradável, idade etc.
Imagine a eternidade dos oito segundos, para um peão de rodeios, que se equilibra durante os corcoveios de um cavalo xucro.”

Construção intelectual

“Não nascemos com o sentido do tempo. Ele parece ser adquirido pela criança nos primeiros três anos de vida e depende da demora em conseguir satisfazer suas necessidades mais básicas, como saciar a sede e a fome. O sentido de tempo parece ser uma construção intelectual muitas vezes relacionada com o espaço que deve ser vencido para satisfazer as necessidades. De qualquer forma, o conceito pleno de tempo demanda o desenvolvimento da capacidade de abstração que só vem a ocorrer bem mais tardiamente na vida. Aos 8 anos, parece que já existem os conceitos de antes e depois.
Jean Piaget testou a percepção infantil para uma série de perguntas sobre o tempo, a distância e a velocidade e concluiu que tais conceitos não estão presentes na mente da criança, mas exigem uma construção. A criança de 2 a 6 anos faz sua avaliação com base no momento presente. Depois começa a levar em conta outros fatores, como o ponto de partida. Só mais tarde vai dominar esses conceitos. Piaget perguntou a uma criança pequena: ‘Sua mãe nasceu antes ou depois de você?’. A criança respondeu: ‘Não me lembro mais’. Crianças um pouco mais velhas já buscam respostas mais elaboradas. A referência da criança sobre o tempo é o tamanho, o crescimento em estatura.
Como ainda á pequena, não tem a percepção do envelhecimento. As crianças acham que os cachorros não envelhecem. A noção dos efeitos da passagem do tempo vai sendo construída e, na pré-adolescência, as respostas já se assemelham às dos adultos. O tempo da criança de pouca idade é o tempo do presente. Nessa fase, o tempo da criança é o tempo das ações. Ela não conhece o passado, não conhece o futuro e não precisa deles.
Para as crianças mais velhas, jovens e adultos, o conceito cronológico é do tempo operatório. O tempo torna-se reversível enquanto forma porque presente, passado e futuro são recortes relativos e variáveis de uma mesma coisa.”

Divisões

“Um ano, fatiado em estações, meses, semanas etc, efemérides, festividades e eventos tradicionais e comemorativos, transcorre muito mais rapidamente do que se fosse, simplesmente, um ano consolidado. Um dia, subdividido em manhã, tarde, noite, horas, minutos e segundos, composto de horários das refeições, dos afazeres, das preces, passa mais rápido do que se fosse, simplesmente, um dia consolidado.”

Metabolismo

“A constatação de que pessoas idosas têm a sensação subjetiva de que o tempo passa muito rápido, ao contrário de crianças, que têm sensação oposta parece, também, estar ligada à velocidade do metabolismo. Idosos apresentam declínio do metabolismo, expansão da unidade de base temporal do seu cronômetro cerebral (cronômetro de intervalo) e, consequentemente, a sensação de que o tempo exterior passa mais rapidamente. Já a criança, dotada de metabolismo mais intenso, apresenta contração relativa da sua unidade de base temporal e, consequentemente, a sensação de que o tempo exterior passa mais lentamente.”

Lento transcurso

“O tédio faz com que a pessoa tenha a impressão de um tempo expandido, tempo que não passa, tempo lento e modorrento. Para avaliar isso, basta conversar com um recluso, um encarcerado. Sua rotina pobre e imutável, que se resume aos horários das refeições, do banho de sol e, eventualmente, do futebolzinho, aliada a uma eventual pobreza mental e intelectual, que não propicia diálogos criativos e instigantes, torna as horas, dias, meses e anos de cárcere uma lenta tortura. Não há assuntos para conversas, as leituras são controladas e rígidas. O mesmo ocorre com as vítimas de sequestro mantidas sob riscos, em cativeiro. Imagine, também, quanto mede o tempo para aqueles que se encontram em situações aflitivas e de risco de vida, como os mineiros soterrados na mina chilena. As agruras, medos, a angústia, o sofrimento, também proporcionam a sensação subjetiva de um tempo expandido, de lento transcurso.”

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