segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Uma existência a toda velocidade

Sobreviver em um tempo acelerado é um desafio para o ser humano, que pode desejar períodos de ócio e precisa render e produzir cada vez mais

No início, eram os ciclos das estações do ano, o nascer e o pôr do sol, entre outras variações da natureza, as medidas utilizadas pelo homem para delimitar a passagem do tempo. Por milênios foi assim. Os relógios só passaram a ser difundidos no século 15. “O tempo, mesmo aí, ainda era muito ligado à natureza e à religiosidade, às festas do calendário agrícola. A partir da industrialização, o tempo se tornou mais distante da natureza e da religião”, explica o arqueólogo da Unicamp Pedro Paulo Funari.
A caminhada do ser humano pelo planeta, com todas as suas ações e reações, iria forjar necessidades, inclusive o controle rigoroso do que é posível fazer em meio ao tique-taque dos ponteiros dos relógios, principalmente após a Revolução Industrial do século 19. Desde então, tempo é dinheiro; em 2011, já não existe mais almoço grátis – às vezes, nem há tempo para almoçar.
“Agora, então, com o advento da Revolução Digital, tudo está ainda mais acelerado”, afirma o professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de Brasília (Unb) Sadi Dal Rosso. Ele costuma dizer em sala de aula que são os processos de trabalho, que exigem a cada dia mais produtividade, os responsáveis pela aceleração do tempo presente e, por con­­sequência, do ritmo de vida das pessoas.
“Todo profissional é exigido cada vez mais. Você, quando vai para casa, não desliga. Ninguém deixa de pensar nas obrigações. O sujeito trabalha o tempo todo, até dormindo, e tem de render. Isso explica por que a vida está tão corrida, e vai se acelerar mais”, comenta Dal Rosso, renomado pesquisador das condições de trabalho no Brasil.

O ócio e o real

O editor e escritor Rodrigo Lacerda conhece, na prática, o discurso do professor Sadi Dal Rosso. Além de perceber que a vida contemporânea está corrida, Lacerda observa que tudo se mostra mais caro e difícil de ser sustentado. Daí, também, a necessidade de ampliar a jornada de trabalho. Atualmente, ele realiza as atividades profissionais dentro sua casa, em São Paulo – situação mais interessante, e confortável, do que quando tinha de estar, todo dia, das 9 às 18 horas, em um escritório.
“Trabalhar, mesmo em casa, provoca uma tensão constante, e a leitura e a escrita por prazer, sem estarem ligadas a nenhum compromisso de trabalho, eu praticamente só faço nas férias. É difícil desenvolver uma mente contemplativa assim”, comenta Lacerda, autor de Outra Vida, romance que ficou em segundo lugar na mais recente edição do Prêmio Portugal Telecom de Literatura.
O conflito de Lacerda, que prefere uma existência com mais contemplação e sonha em viver do que escreve, mas paga as contas trabalhando como editor e tradutor, é recorrente. E não apenas entre escritores, mas também entre uma parcela significativa dos 6 bilhões de habitantes da Terra. Em tempos recentes, o conceito do ócio criativo, título de um livro do sociólogo italiano Domenico De Masi, passou a seduzir cada vez mais pessoas, pela proposta de equilibrar, dentro das 24 horas, trabalho, estudo e jogo. Na prática, o objetivo é ter mais tempo livre. Mas isso é sinônimo, ou mesmo garantia, de uma performance mais criativa?
“Não necessariamente”, responde o professor de Cronobiologia da Unicamp Edson Delattre. “Não obstante, em minha experiência, inclusive nos trabalhos voluntários, já observei que as melhores inspirações surgem da luta diária, durante as ações de campo ou nos períodos que imediatamente lhe seguem, no percurso de casa ou já em domicílio. Parece-me que os períodos de ócio estrito não são bons desencadeadores de inspiração criativa”, afirma Delattre.
As fontes inspiradoras, reforça o pesquisador da Unicamp, estão mais ligadas ao trabalho diário do que ao ócio estiolante. “Penso que as ações neuromusculares atuam como agentes facilitadores dos processamentos mentais intuitivos, inspiradores e criativos. Porém, provavelmente, pode não ser regra geral e, possivelmente, muitas pessoas aproveitem melhor o ócio”, pondera o professor.

Muito acelerado

Ao analisar criticamente o contexto socioeconomico do tempo contemporâneo, Delattre constata que não foi o tempo que encurtou. “Vivemos num ritmo acelerado, buscamos cada vez mais algo que nem temos consciência do que é, mas que somos induzidos a buscar, uma satisfação que na verdade jamais será alcançada neste modelo consumista e individualista em que vivemos atualmente”, diz. E, em meio a um ritmo que acelera, “inclusive a mente”, co­­mo enfatiza a Mon­­ja Coen, a pessoa po­­de, nessa luta pe­­la sobrevivência, perder o chão, e até a mesmo a saúde.

Entre um café expresso e uma oferta-relâmpago
Durante a última década, o cirurgião do aparelho digestivo Edmilson Mário Fabbri passou a conversar mais com os seus pacientes, diminiui as receitas de remédios e, principalmente, o número de intervenções cirúrgicas. Ele percebeu que as dores e os problemas estomacais eram, e são, resultado da aceleração progressiva da vida em ritmo frenético nas grandes cidades.
“As pessoas precisam aprender a quebrar o ritmo do dia a dia”, diz Fabbri. E como fazer isso? Inserir, e manter, a prática de atividades físicas na rotina. “O estresse, por si só, não é algo ruim. Trata-se de uma reação do organismo. Mas é preciso fazer algo com o estresse. Movimentar o corpo ajuda. Relaxamento e meditação também são úteis para reduzir a ansiedade, uma das principais causas dos problemas no estômago”, afirma.
O médico fez um curso de Filosofia e encontrou, nas obras de Platão e Schopenhauer, entre outros filósofos, subsídios para refletir sobre os impasses existenciais. A clínica que ele mantém no Alto da XV, em Curitiba, é um local frequentado por executivos de multinacionais e taxistas, entre outros profissionais liberais, que procuram ajuda para sair do aparente beco sem saída que é o cotidiano barulhento, e muitas vezes prejudicial, em uma metrópole.
A necessidade de desacelerar é um dos motivos que leva de músicos a professores universitários à Comunidade Zen Budista, da monja Coen, em São Paulo. O número de pessoas que frequenta o local quadruplicou em menos de uma década. São simpatizantes, que buscam nas pa­­la­­vras de Buda, receitas para viver melhor.
“Em uma sociedade que se tornou full time, na qual quase todos bebem, quando não engolem, cafés expressos, e no comércio são anuncidas ofertas-relâmpago, há quem deseje meditar, não para se alienar, mas para sobreviver”, diz a monja Coen.
Além de sobreviver, e resistir ao tempo, entender esse enigma sempre foi e ainda é um desafio. “Hoje, o tempo pode ser contado muito precisamente, como nunca no passado, mas parece cada vez mais fugaz, e não menos enigmático”, finaliza o professor Pedro Paulo Funari, da Unicamp. (MRS)

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