Os nomes José Avelino Sobrinho e José Avelino Irmão estão numa lápide do
cemitério da Vila Alpina (zona leste). Pouco se sabe sobre a vida dos
irmãos, mortos a tiros e enterrados em 10 de fevereiro de 2001. Só não
há dúvida em relação a um fato: o time deles. Sobrinho, 58, era
corintiano. Irmão, 55, palmeirense.
Numa mesma placa fúnebre estão os emblemas dos times sob a foto de cada
um, o que revela uma prática que vem crescendo, segundo estudo do
professor Fábio Mariano Borges, que leciona na ESPM (Escola Superior de
Propaganda e Marketing) e na Faap (Fundação Armando Álvares Penteado).
A galeria 46 do ossário da Vila Alpina, onde estão os Avelinos, não é a
única com distintivos. Numa olhada rápida é possível ver vários
"defuntos-torcedores".
Borges, especialista em consumo, percorreu cinco cemitérios públicos da
capital e constatou que as lápides são oferecidas nos enterros por
vendedores, que dispõem de "books" de placas fúnebres, com opções de
frases religiosas, imagens santas e, claro, insígnias de clubes.
Para o professor, o costume mostra que colocar o escudo de um time na
lápide representa uma espécie de religião. Nos cemitérios, a simbologia
do futebol divide espaço com ícones da igreja.
O pesquisador fotografou cerca de 400 escudos em sua pesquisa.
Palmeiras, São Paulo, Corinthians e Santos aparecem representados.
Fábio Mariano Borges/Divulgação | ||
Lápides com distintivos do Corinthians e do Palmeiras, em homenagem aos mortos |
A ideia para o trabalho acadêmico surgiu no funeral da avó dele. "Mal enterramos o corpo e já apareceu o vendedor de lápides."
Ao ouvir familiares, Borges descobriu que o time de coração era também uma maneira de identificar o morto.
Ao mesmo tempo, diz Borges, é uma maneira leve e divertida para as famílias transgredirem a morte.
"Quem anda pelo cemitério vai parar nas lápides. É como se o defunto
estivesse dizendo: 'oi, eu sou o fulano, palmeirense'", diz.
Outra constatação é o fato de ser uma prática em cemitérios públicos. "É
um costume de pessoas de baixa renda. Não vi coisa parecida no
cemitério do
Morumbi, por exemplo". Em áreas nobres, há frases bíblicas
ou poemas.
Vivos, os irmãos Avelino estariam em lados opostos hoje, no duelo entre
Corinthians e Palmeiras que pode dar o título de campeão brasileiro ao
alvinegro.
"Eram trabalhadores e só gostavam de futebol. Foram mortos por maldade",
diz Marília, 26, filha de Irmão. O clichê "torcedor até a morte" foi
seguido à risca pela família. Marília que o diga. "No domingo [hoje],
eles 'vão' estar torcendo muito."
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