terça-feira, 28 de junho de 2011

Uma agência funerária para muçulmanos

Esse empresário não conhece feriados ou semanas de cinco dias de trabalho. Ele está sempre à disposição de seus clientes.

Ali Furat, de Zurique, é dono de uma agência funerária especializada no translado de muçulmanos às suas pátrias distantes.

A agência funerária Furat International Repatriation fica em um bloco residencial anônimo no bairro industrial de Regensdorf, pequena comuna nas proximidades de Zurique. O espaçoso escritório está mal iluminado e dá uma impressão de frieza. Várias pastas estão dispostas cuidadosamente nas estantes, nos quais ficam arquivadas as fichas dos falecidos. São cerca de 400 casos por ano.

Um gigantesco mapa do globo está pregado logo acima da estante. Pregos coloridos marcam cidades como Atena, Lima ou Antalya. Em todas elas a empresa de Furat tem parceiros. Desde que a fundou há doze anos, seu negócio cresceu tanto graças à propaganda boca-a-boca que ele nem mais se dá o trabalho de fixar novos pregos. Nesse meio tempo, essa rede se estende por todos os continentes do mundo.

Temporada

Agora é "alta temporada" para Ali Furat. Afinal, no outono e no inverno é que morrem mais pessoas. "Muitas pessoas idosas e doentes têm pouca força e não sobrevivem o inverno. Também esses meses são os mais sombrios e desesperançados", declara o empresário turco de 47 anos, que já é casado há 21 anos com uma suíça.

Há muitos anos, quando presidia um fundo de enterro para turcos, ele sempre foi abordado por muçulmanos de outras nacionalidades à procura de conselhos. Ele os ajudava nos procedimentos burocráticos quando um de seus familiares falecia.

Daí surgiu, em 1997, a idéia de abrir um novo negócio. "Eu só entrei nessa profissão por acaso e agora não sei mais como sair dela", explica, lembrando que gosta muito do seu trabalho apesar dos horários de trabalho irregulares e da forte pressão.

"Tenho uma certa satisfação quando ajudo pessoas que estão passando por horas difíceis. Por exemplo, se uma mulher perde no meio da noite seu marido, primeiro vem o luto, depois o estresse e o pânico. Como fazer para levar o corpo do falecido a uma aldeia distante na Anatólia?"

Furat, que domina perfeitamente turco, inglês, alemão e um pouco de árabe, pode nesses momentos ajudar, sobretudo graças aos seus quatro funcionários. Sua empresa assume a lavagem tradicional, troca as roupas e resolve todas as formalidades relativas ao translado do defunto. "Nessas situações, as pessoas estão sobrecarregadas e para nós é apenas uma rotina."

Não apenas muçulmanos

Furat repatria muçulmanos falecidos de todas as partes da Suíça , mas não apenas isso: "Também já levamos um judeu para a Turquia, uma mulher mórmon para a Espanha e, na última semana, um católico para o Kosovo". Sua agência funerária especializou-se em muçulmanos, mas nenhum cliente é recusado por causa da religião.

Ela também organiza a "última viagem" para os suíços que faleceram no exterior. Neste caso, Furat trabalha estreitamente com as companhias de seguro, o Ministério das Relações Exteriores e as representações diplomáticas. "Nós temos bastante translados para a Suíça durante o verão, que é época de férias aqui."

O grande vazio

Apesar da rotina e da distância profissional, alcançada depois de anos de trabalho no setor, viver o luto ainda é um problema para Furat. "Eu faço um trabalho triste. Para muitos, a morte é o final, não sobra mais nada. Outros acreditam em um reencontro depois dela. Mas nós não sabemos o que vem."

O empresário fica muito tocado quando pessoas idosas, que já passaram uma vida inteira juntos, perdem seus parceiros ou parceiras. "Nós vemos nas casas deles as fotos do casamento, quando eram jovens e felizes. Depois eles ficam tanto tempo juntos. Quando um morre repentinamente, o outro se sente abandonado, perdido. Viver isso é, para mim, algo muito triste".

Também o luto se vai

Para ele, pior do que isso só quando uma mãe perde seu filho, não importando a sua idade. Furat não se esquece mais de um caso vivido no Inselspital, o maior hospital de Berna. Lá um homem de 72 anos havia falecido. No leito mortuário estava uma senhora muito idosa, que permanentemente acariciava seus cabelos, falava e chorava. "A senhora, de 94 anos, havia acabado de perder seu filho."

Apesar da rotina, o empresário não consegue se acostumar a essas situações. Se possível, ele tenta até evitá-las. "Para isso, preciso de um coração de pedra." E apesar disso, assim como ele aprendeu a aceitar a morte, também o luto e a perda de um ente pertencem ao ciclo da vida. Mesmo esses sentimentos passam com o tempo.

"Permaneço em Zurique"

Segundo Furat, a maioria quer ser enterrada nos locais onde vivem suas famílias e onde passaram suas infâncias. Ele conhece muitos turcos que chegaram como trabalhadores na Suíça nos anos 60 e que desejam ser enterrados na sua própria pátria.

Ele já prefere ser enterrado aqui, em Zurique-Witikon, no setor muçulmano do cemitério local. Sua esposa e seus dois filhos vivem na Suíça. "Eu não quero levar para a minha família na Turquia a dor e o luto", reflete.

swissinfo, Gaby Ochsenbein

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