O período de recuperação após uma perda significativa, ao qual pouco se dá atenção em uma sociedade que evita encarar sua condição de mortal.
Por Luciana Romagnolli
O luto, contudo, é uma reação natural e esperada ao rompimento de um vínculo. Um processo de elaboração de uma perda significativa, que não se aplica apenas a casos de morte, mas também a outras situações de privação irreversíveis, como separações, desemprego e aposentadoria, variando de acordo com a intensidade do apego. Sua negação, sim, pode ser patológica.
“Lidar bem com o luto significa poder enfrentar os sentimentos evocados pela perda, a nova realidade que esta impõe e também poder ter momentos de evitar a dor e voltar-se para a vida”, diz Luciana Mazorra, doutora em Psicologia Clínica e diretora do 4 Estações – Instituto de Psicologia sediado em São Paulo.
Durante essa fase de readaptação à realidade, o luto é vivenciado em várias áreas da vida, produzindo efeitos emocionais, comportamentais, físicos e sociais, como alterações na alimentação e no sono, irritabilidade, isolamento ou depressão. Não se trata, no entanto, de um período apenas de baixos, mas de oscilações. “Leva tempo entre esses dois movimentos, a vivência de uma ampla gama de sentimentos e reações enquanto, gradualmente, a dor ocupa um espaço menos central na vida do enlutado, ao passo que o espaço dado a novos projetos e interesses é incrementado”, explica Luciana.
O tempo de elaboração do que aconteceu e das implicações na vida de quem ficou foi chamado por Freud de “trabalho de luto”. Para o pai psicanálise, equivale a “sepultar o morto dentro de si”. Pode ser agudo, quando vivido imediatamente após a perda, ou crônico (a forma patológica), nas situações de inaceitação – esclarece o professor e doutor em Sociologia Edmundo Gaudêncio, da Universidade Federal de Campina Grande e da Universidade Estadual da Paraíba.
Partindo de Freud, um outro psicanalista, John Bowlby, dividiu as etapas do luto em três. A começar pelo estágio de desespero e apatia, no qual é nítido o abatimento do enlutado, seguido pelo estágio de desorganização da vida (familiar, social e produtiva) até, por fim, a aceitação.
Já a mais propagada distinção, feita pela psiquiatra Elizabeth Kubler-Ross, compreende cinco fases: negação, barganha, raiva, depressão e aceitação. “É muito comum que o enlutado apresente reações de choque e negação de início, como se precisasse de um tempo para digerir a informação da morte. Em seguida, pode manifestar raiva e protestar diante de tal realidade, como se tentasse revertê-la, ao chorar e chamar pela pessoa perdida. Ao perceber que a pessoa não retornará, a dor é muito intensa, e o enlutado precisa de tempo para aceitar a perda, transformar sua relação com a pessoa perdida e sua própria identidade sem esta pessoa”, descreve Luciana Mazorra.
Apesar de ser esse o desenvolvimento mais esperado, a psicóloga chama a atenção para o fato de que cada um experimenta o processo à sua maneira, inclusive podendo passar pelas etapas diversas vezes, e por isso é importante evitar o “enquadramento” do enlutado.
“Atualmente, os estudiosos não trabalham mais com a concepção de fases do luto, pelo risco de avaliarmos injusta e preconceituosamente a condição da pessoa de uma maneira genérica, deixando de lado suas particularidades”, reforça a professora Maria Helena Pereira Franco, cooordenadora do Laboratório de Estudos e Intervenções sobre o Luto – LELu, da PUC-SP, pioneiro em pesquisas sobre temas relativos ao luto no país, desde 1996.
Entre as particularidades de cada caso, há uma série de fatores envolvidos que pode complicar ou estender o luto. Uma morte violenta, repentina, muito sofrida ou que inverta a ordem natural das coisas (filhos que morrem antes dos pais, por exemplo) tende a ser agravante. Mas há mais em jogo: relações de dependência com o morto, o histórico de perdas do enlutado, suas crenças espirituais e o apoio recebido.
“Um fator que com muita frequência melhora a dor de uma perda trágica é o perdão da vítima enlutada àquele que lhe produziu o luto”, comenta Gaudêncio. No sentido contrário, a impossibilidade de prantear e sepultar o cadáver ou casos de perdas não reconhecidas socialmente, como os abortos, potencializam o sofrimento.
Luciana Mazorra acrescenta que a elaboração do luto é mais efetiva quando se consegue “atribuir sentido à perda” – no que podem ajudar atividades como conversar sobre o que aconteceu, escrever, fazer psicoterapia ou participar de grupos de autoajuda, como o curitibano Amigos Solidários na Dor do Luto (ler reportagem na página 2). Há também quem sublime a dor da falta transformando-a em arte ou se dedicando a causas socais.
Identidade revista
Ao elaborar ou “metabolizar” a perda, o enlutado passa por um processo de revisão da própria identidade agora sem aquela pessoa que se foi, e de transformação da relação que mantinha com o morto e consigo mesmo. “Sua identidade não é a mesma, a vida não é a mesma e vai ser muito importante que se dê conta das mudanças para conviver com a realidade de forma saudável”, observa a psicóloga Maria Helena.
Como o caso da viúva que terá de se apropriar dessa nova identidade social, descobrir quem ela é sem o marido, perceber que papel desempenhava na relação e desenvolver novas competências, redefinindo suas expectativas de futuro e um projeto de vida dali em diante. “É um processo gradual e árduo, mas que também pode ser um momento rico e de descobertas pessoais quando se recebe o apoio necessário para enfrentá-lo”, avalia Luciana Mazorra.
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