terça-feira, 21 de setembro de 2010

Encontros para o amparo mútuo

O que leva alguém a procurar ajuda mútua em um grupo como o Amigos Solidários na Dor do Luto? Em geral, são pessoas que se sentem diferentes dos outros, responde a coordenadora Zelinda de Bona. A morte de um filho, por exemplo, caso mais comum entre os frequentadores, não deixou ainda de doer.
“Eles se sentem um pouco deslocados, diferentes, e às vezes nem têm vontade de se encontrar com outras pessoas”, diz a senhora de 73 anos, que há oito participa do grupo.

Enquanto o resto do mundo seguiu adiante, a mãe ou o pai continuam sentindo a necessidade de lembrar e falar daquele que se foi. E nem sempre encontram, em casa ou porta afora, ouvidos afáveis ao drama solitário. “As outras pessoas talvez não queiram escutar porque não sabem como lidar com nossa dor. No grupo, encontram mais espaço.”

“Nós, que já vivemos o luto, acolhemos essas pessoas para que consigam lidar melhor com a dor”, diz Zelinda. Sem formação técnica, ela compartilha vivências com os outros participantes, que variam muito em perfil e número, mas não costumam ser menos de 15 por sessão.

As reuniões acontecem a cada segunda-feira, na ala do curso de Psicologia da Universidade Federal do Paraná, na Praça Santos Andrade. Em círculo, começam com uma oração ecumênica e se abrem para depoimentos pessoais, respeitando sigilo fora dali. O encontro termina mais informal, num chá com biscoitos, quando o que não foi dito à roda pode ser desabafado num canto, com quem se tem mais afinidade.

Não há regras de frequência: vai quem (e quando) sente necessidade, fala o quanto quer, ri e chora, de acordo com o humor. “Tem pessoas que chegam muito mal e revoltadas com o mundo, a vida, até com Deus. Outras chegam caladas. Não tem padrão. Mas uma coisa eu digo: elas sempre saem melhor”, garante a senhora. Zelinda compara o grupo à resistência das sequóias, que entrelaçando as raízes, se fortalecem.

“A vida nunca será igual, mas tem que ser vivida porque há outras pessoas que o cercam e precisam de você”, generaliza, falando de si mesma: “Eu troquei a ausência do meu neto pelas saudades. Já não me revolto, agradeço os 14 anos que ele esteve em nossa família.”

Tempo

O Amigos Solidários na Dor do Luto foi criado em 1998 pela escocesa Rose Ann Figurelli, casada com um brasileiro. Ela havia perdido o filho mais velho para um câncer violento. Passado algum tempo, foi à Escócia em uma visita familiar e ouviu falar de um grupo de pais em luto que se reunia uma vez por semana. Trouxe a ideia e a pôs em prática, cinco anos depois da morte do rapaz.

Zelinda também tardou seis anos entre a perda do neto e o ingresso no grupo. Mas há quem procure os Amigos Solidários logo depois dos rituais de despedida. Como não funciona com um orientador, mas por amparo mútuo, é importante que alguns dos participantes já tenham elaborado melhor seu luto, para poder mostrar mais estrutura emocional diante do desabamento alheio.

“A morte e a vida caminham juntas. Na hora de nascer, você já perde a placenta. No decorrer da vida, vai tendo outras perdas: perde o seio da mãe que o amamentava, perde o colo quando começa a caminhar, vai à escola e deixa a casa, perde a juventude, as antigas formas, sai de casa, perde os pais, a esposa. A vida são perdas e ninguém está preparado para a morte, mas está aí”, diz, sem pessimismo, com resignação.
Zelinda percebe que há, contudo, quem se apegue ao luto crônico. Mães ou pais cujos filhos morreram há uma década, mas que ainda querem vivenciar o luto. A esses, alerta: “Outras pessoas precisam de você inteiro. Ninguém quer uma mãe ou um pai ou uma avó pela metade.”

Serviço

Amigos Solidários na Dor do Luto. Reuniões às segundas-feiras às 14h30. Prédio Histórico da UFPR – 1º andar, ala de Psicologia, sala 118 (Praça Santos Andrade).

Nenhum comentário: