Os rituais fúnebres, que ajudam o enlutado a compreender a perda e reforçam os laços sociais, foram encurtados para evitar constrangimentos e a contaminação da dor
Por Annalice Del Vecchio
Sintomas
Durante essa fase de readaptação à realidade, o luto é vivenciado em várias áreas da vida:
Emocional
Pode se manifestar como choque, entorpecimento, déficit de memória e de concentração, culpa, ansiedade, medo, solidão e irritabilidade.
Social
É causa de isolamento e da sensação de ser “diferente” dos não enlutados.
Físico
As reações incluem alterações de apetite, peso e sono, falta de ar, desinteresse sexual, queda do sistema imunológico e alteração metabólica.
Comportamento
Consumo do álcool, fumo e drogas. Postura “aérea”. Questionamento de valores ou de crenças espirituais.
Em uma sociedade que exalta a vida, o corpo sadio, a beleza, o prazer, parece não haver mais lugar para expressar sentimentos considerados negativos como o sofrimento e o lamento. O próprio luto se tornou algo discreto, reduzido à esfera privada para não causar constrangimento e desconforto. Os rituais fúnebres – velório, cortejo, enterro e cultos – se adaptaram aos novos contornos da sociedade, urbanizada e individualista, tornando-se rápidos e assépticos.
Há 30, 40 anos, parentes próximos eram reverenciados com luto fechado por até um ano. Nos seis meses seguintes, admitia-se o meio luto, com roupas brancas e pretas, e o fumo, a tarja preta na manga da camisa usada pelos homens. O velório era feito em casa e o cortejo até o cemitério tinha o acompanhamento de vizinhos e amigos.
“A toalete do morto passou a ser realizada por especialistas que, mediante práticas higiênicas e tratamento estético, conferem uma aparência de tranquilidade. O velório se tornou curto e, por questões de segurança, dificilmente é realizado à noite. Já o cortejo fúnebre costuma ser limitado ao espaço do cemitério e, geralmente, exclui as crianças”, descreve a socióloga Marisete Hoffmann, professora da Universidade Federal do Paraná e autora da tese de doutorado Memórias de Morte e Outras Lembranças.
Presente de grego
Na sociedade que nega o sofrimento, o luto se torna algo que precisa ser contornado rapidamente. “O grupo social respeita a dor da perda, mas tende a ser impaciente quando ela é demonstrada na esfera pública. Sentimentos de pesar devem ser ocultados, pois lembram a fragilidade e a finitude humanas”, diz Marisete.
Ignorar o sofrimento é literalmente um “presente de grego”, diz o professor Edmundo de Oliveira Gaudêncio, da Universidade Federal de Campina Grande e da Universidade Estadual da Paraíba. “Herdamos da Grécia clássica a crença de que o melhor modo de enfrentar o luto é não falando dele e, principalmente, não chorando, quando a melhor medida seria ceder à tentação do pranto”, diz o doutor em sociologia.
Esse escapismo se reflete em uma queima de etapas prejudicial, afinal, quem não vive o luto em toda a sua dimensão não consegue superá-lo. “Tememos a ‘contaminação da dor’, não oferecemos continência ao enlutado, retirando prematuramente o suporte.
Precisamos respeitar nossas limitações e dar espaço para aquilo que nos torna verdadeiramente humanos: nossa capacidade de amar, sofrer a perda daqueles que amamos e, acima de tudo, atribuir significado a essa perda. A sociedade deve contribuir para que o enlutado atribua sentido à perda, oferecendo continência, informação e compreensão”, diz Luciana Mazorra, doutora em Psicologia Clínica pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Além de garantir simbolicamente a passagem para o além, Marisete explica que os rituais fúnebres promovem ainteração entre a pessoa enlutada e o grupo, que lhe transmite apoio e conforto. “Cada ritual tem uma função que ajuda a trazer segurança, amenizando a dor do enlutado e reforçando os laços sociais”, diz.
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